InícioReflexão BíblicaXII Domingo do Tempo Comum - Ano A (Mt 10,26-33)

XII Domingo do Tempo Comum – Ano A (Mt 10,26-33)

 

O capítulo 10 do Evangelho de Mateus apresenta o chamado e as orientações de Jesus aos seus apóstolos. A obra de Mateus foi escrita entre os anos 80 e 90, durante o reinado do intolerante imperador Domiciano, num contexto de insegurança e perseguição sofridas pelos cristãos em vista da fidelidade ao projeto de Jesus Cristo. As perseguições sangrentas se estenderam por longo período, até o Edito de Milão, no ano 313, quando o imperador romano Constantino concedeu a liberdade religiosa aos cristãos. Eles já estavam impedidos de frequentar as sinagogas dos judeus e, por isto, realizavam seus encontros e celebrações nas casas, de modo encoberto. Dependendo do rei que estivesse mandando, as perseguições eram mais, ou menos intensas. Em alguns períodos, cristãos eram denunciados e conduzidos aos tribunais para confirmarem ou negarem a sua condição de seguidores de Jesus Cristo. Por isto, conforme Mateus, Jesus afirma que as pessoas que se declararem a seu favor diante dos homens também terão a sua declaração favorável diante do Pai; aquelas que o negarem diante dos homens também terão a negativa dele diante do Pai (vv. 32-33). Aqui faz supor a existência de dois tribunais: o dos homens e o tribunal divino. Muitos cristãos, movidos pela força do Espírito, foram até às últimas consequências. Outros, marcados pelo medo diante do risco do martírio, negaram sua identidade cristã.

Os cristãos se perguntavam por que tinham de sofrer se eram fiéis a Jesus Cristo e queriam somente fazer o bem, viver e pregar os valores anunciados por Ele. As perseguições estão na lógica da fidelidade à missão recebida de Jesus. Como Ele foi perseguido por causa da justiça do Reino, também os seus seguidores o serão. Isto não significa ser abandonados por Deus, pois Ele está presente até à morte dos seus amados. Aquele que cuida mesmo dos pardais não abandonará quem morre testemunhando o amor a Jesus e seu projeto de vida (vv. 29-31).

Mateus deseja encorajar os seguidores de Jesus Cristo naquele contexto de perseguição. Como um refrão, no texto deste domingo, ele convida três vezes a não ter medo (vv. 26, 28 e 31).

Convida os seus apóstolos a não terem medo de viver a fé e de anunciar o Evangelho da justiça do Reino de Deus. O que eles ouviram em particular não é para ser mantido em segredo, mas comunicado a todos e todas. O que eles ouviram ao pé do ouvido deve ser proclamado sobre os telhados (vv.26-27). Em vista do medo, a mensagem de Jesus não deve correr o risco de permanecer com um pequeno grupo, fechada em quatro paredes.

O segundo convite é a não ter medo das reações à pregação, que provocará insatisfação em alguns que desejam manter os privilégios e, para isto, são capazes de exterminar aqueles que são vistos como ameaça. “A luta pela justiça do Reino esbarra na resistência dos que não querem mudanças sociais. Foi assim com Jesus. Por que não será com os discípulos dele? ”[1] O discípulo de Jesus não deve temer quem pode matar o corpo, mas é impotente para matar a alma (v. 28). O poder sobre a totalidade da vida, corpo e alma, pertence somente a Deus, embora alguns se julguem donos da vida alheia e a exterminem em defesa de seus interesses mesquinhas. A fidelidade a Jesus deve afastar a angústia do medo da morte. O único que deve ser temido, isto é, obedecido, é Deus.

O terceiro convite: não ter medo do futuro, mas confiar na providência divina. Aquele que cuida com carinho dos pássaros, e sabe até quantos cabelos temos na cabeça, cuidará com carinho especial dos seus filhos. Nada deverá amedrontar quem tem a certeza dos cuidados amorosos de Deus.

O medo já estava presente em alguns textos bíblicos do Primeiro Testamento. Por isto, Deus convida Israel a não ter medo (Cf. Is 41,10.13; 43,1.5; 44,2; Jr 30,10). Também no Evangelho de Lucas, o Anjo convida Maria a não temer (Lc 1,30). Deus aparece sempre encorajando seu povo.

É inegável que o medo nos acompanha ao longo da vida, desde o nosso nascimento. A nossa vida é uma luta constante para dominar o medo. Há um medo saudável, que protege a vida. Mas há um medo mau, que impede conquistas. A vida comporta riscos, que são maiores quando dedicada a defender aos valores do Reino de Deus. Na sua defesa, muitos foram assassinados no mundo. O nosso país destaca-se como o mais violento, o que mais assassinou ativistas dos direitos humanos na última década. Foram 342 ataques letais. A cada três mortos, um era indígena ou negro[2]. Na nossa Diocese de Goiás, em vista da sua opção fundamental, contendo a evangélica opção pelos pobres, algumas pessoas sofreram as consequências da sua fidelidade ao Evangelho: o saudoso Pe. Francisco Cavazzuti, que perdeu a visão em consequência de um tiro no rosto; e o Nativo da Natividade, assassinado com 5 tiros. Ambos lutavam em defesa dos direitos dos trabalhadores rurais.

O papa Francisco convida-nos a anunciar o Evangelho a todos sem medo (Evangelii Gaudium n. 23). O único medo que devemos ter, conforme o papa, é “de nos fecharmos nas estruturas que nos dão uma falsa proteção, nas normas que nos transformam em juízes implacáveis, nos hábitos em que nos sentimos tranquilos, enquanto lá fora há uma multidão faminta e Jesus repete-nos sem cessar: ‘Vós mesmos, dai-lhes de comer’ ” (EG n. 49). Conforme lembrava São Charles de Foucauld, não devemos ser como cães que não latem ou sentinelas adormecidos que ignoram o sofrimento do povo.

Como cantamos no Pai Nosso dos mártires, peçamos perdão quando, por medo, ficamos calados diante da morte. Invoquemos também a proteção divina diante da crueldade daqueles que querem calar a voz dos que defendem um mundo para todos e todas.

+Dom Jeová Elias

Bispo Diocesano


[1] Bortolini, José. Roteiros Homiléticos – Anos A, B, C, Festas e Solenidades. Ed. Paulus, 2006.

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