Estamos retomando os domingos do Tempo Comum, com a leitura semicontínua do Evangelho segundo Mateus. Neste décimo domingo, temos a narração da vocação dele. O texto é composto por duas cenas: na primeira cena, o Evangelho narra que Jesus viu um homem chamado Mateus, sentado na coletoria de impostos, e o convidou a segui-lo. Ele imediatamente se levantou e seguiu Jesus (v. 9). A segunda cena apresenta Jesus sentado à mesa na casa de Mateus, com seus discípulos e muitos cobradores de impostos e pecadores (vv. 10-11); isto provoca o questionamento de alguns fariseus: “por que vosso mestre come com os cobradores de impostos e pecadores?” (v. 11).
Três verbos se destacam no Evangelho deste domingo: ver, escutar e falar.
O Evangelho afirma que, ao passar, Jesus viu um homem chamado Mateus (v. 9). Ele era cobrador de impostos, profissão desprezível para os judeus, pois a arrecadação de impostos servia aos interesses dos dominadores romanos. Conforme o Pe. Bortolini[1], os cobradores de impostos eram uma espécie de “empresários” que compravam do Estado o direito de arrecadação. Eles precisavam arrecadar mais do que pagavam, para ter lucro. Os chefes dos cobradores de impostos, como Zaqueu (Cf. Lc 19,1-10), eram pessoas muito ricas, pois exploravam também os cobradores de impostos subordinados. Mateus devia ser um cobrador comum, que explorava o povo e era explorado por seu chefe. Os fariseus consideravam essas pessoas impuras, seja em vista da desonestidade delas ou da sua colaboração com os dominadores romanos.
Ao passar, Jesus vê Mateus. O olhar de Jesus alcança a todos com sua misericórdia. O Evangelho narra duas formas distintas de ver: a de Jesus que viu Mateus, e a dos fariseus que viram Jesus comer com os pecadores: uma, que vê com misericórdia; outra, que tem o olhar impiedoso, de condenação e reprimenda. Para experimentar a misericórdia divina, conforme o papa Francisco[2], é necessário reconhecer que somos pecadores, o que não acontece com os fariseus. “Quem está habituado a julgar os outros a partir de cima, julgando-se perfeito, quem normalmente se considera justo, bom e correto, não sente a necessidade de ser abraçado e perdoado”. O único que poderia não olhar com misericórdia era Jesus, pois não tinha pecado. Ele poderia cobrar dos outros, mas derrama um olhar de misericórdia. O encontro com Jesus transforma a vida da pessoa. O Evangelho afirma que Mateus estava sentado na coletoria de impostos e se levantou para seguir Jesus (vv. 9-10). Alcançado pelo olhar misericordioso de Jesus, ele nunca mais voltará a sentar-se à mesa de cobrança de impostos.
Ao ver Mateus, Jesus lhe dirige a palavra convidando-o a segui-lo (v. 9). Aqui há uma novidade: diferente dos outros mestres, que eram escolhidos por seus discípulos, os seguidores de Jesus são escolhidos por Ele (Cf. Jo 15,16). A palavra que Jesus dirige a Mateus não é de reprimenda ou condenação, mas de convite ao seu seguimento, a abraçar o seu projeto de vida. É uma palavra de acolhimento. Ele não será mais um antipático cobrador de impostos, mas sim um amigo que compartilhará a vida com Jesus e anunciará a Boa Notícia trazida por Ele. Contudo, a palavra que Jesus dirige aos fariseus é de ironia, desmascarando sua hipocrisia e autossuficiência: eles bastam-se a si mesmos, não precisam de Jesus. Só é possível ser discípulo do Mestre da justiça do Reino acolhendo a sua misericórdia. Citando o profeta Oseias, Jesus convida os fariseus a aprenderem: “Quero misericórdia e não sacrifícios” (Cf. Os 6,6).
Mateus escuta a palavra de Jesus: “Segue-me!” (v. 9). Conforme a nota na Bíblia do Peregrino[3], o chamado de Jesus faz com que Mateus saia da escravidão do dinheiro para a liberdade do seguimento de Jesus. Ele não resiste ao chamado do Mestre. A cena seguinte faz supor a sua gratidão ao ofertar a Jesus e seus amigos uma refeição de confraternização. Mateus deixa de ganhar dinheiro, mas ganha a alegria do seguimento de Jesus, que dinheiro algum pode comprar. O Evangelho não registra palavras de Mateus, somente seus atos. Ele escuta, acolhe a palavra no seu coração e recebe Jesus na sua casa.
Jesus também escuta a pergunta que alguns fariseus dirigem aos seus discípulos e responde no lugar deles. Os fariseus querem saber por que Jesus come com os cobradores de impostos e pecadores (v. 11). A refeição à mesma mesa era sinal de comunhão, estabelecia laços de fraternidade. Para Jesus, o “banquete” é símbolo do Reino de Deus (Cf. Mt 22,1-14). Ao partilhar a mesa com os publicanos e pecadores, Jesus indica que sua salvação abraça a todos. Todas as pessoas têm lugar na mesa do Reino, desde que acolham a proposta de Jesus. Os fariseus a rejeitam. A resposta de Jesus indica que sua misericórdia alcança quem dela necessita. Precisam de médico os que estão enfermos, não os que têm saúde (V. 12). Os fariseus julgam-se justos e fiéis cumpridores da Lei. Na vida deles não há espaço para a graça divina.
O texto deste domingo marcou profundamente a vida do Papa Francisco na sua juventude. Ele narra essa bela recordação no livro “O nome de Deus é misericórdia”[4]. Lembra que foi acolhido com muita misericórdia por um padre, numa confissão, no dia de São Mateus, 21 de setembro, no ano de 1953, quando tinha 17 anos. Foi uma experiência inesquecível! Foi tão marcante, que Francisco escolheu seu lema episcopal e o conservou como papa, inspirado no versículo do chamado de Mateus, de acordo com a interpretação de São Beda: “miserando atque eligendo”, isto é, “com misericórdia o chamou”. A frase recorda o olhar de misericórdia que Jesus dirigiu a Mateus e seu chamado.
Estamos celebrando no Brasil o 3º ano vocacional com o tema: “Vocação: graça e missão”, com o objetivo geral de “promover a cultura vocacional nas comunidades eclesiais, nas famílias e na sociedade, para que sejam ambientes favoráveis ao despertar de todas as vocações, como graça e missão, a serviço do Reino de Deus”[5]. O tema lembra que a vocação é uma graça, na sua origem está o encontro amoroso com Jesus. Recorda também que é uma missão, que a pessoa chamada deve ser portadora de vida e esperança, sobretudo nos tempos sofridos que vivenciamos. Todos somos chamados a seguir Jesus e anunciar o seu Evangelho.
+Dom Jeová Elias
Bispo Diocesano
[1] Bortolini, Pe. José. Roteiros Homiléticos – Anos A, B, C, Festas e Solenidades. Paulus, 2008, p. 163.
[2] Francisco, papa. O nome de Deus é misericórdia, Ed. Planeta, 2016, p. 16-17;
[3] Bíblia do Peregrino – NT, nota à página 66;
[4] Ibidem, p. 40-41;
[5] Manual do Ano Vocacional, Edições CNBB, P. 16.