InícioReflexão Bíblica''Não fomos criados para a morte, mas para a vida plena''

”Não fomos criados para a morte, mas para a vida plena”

Meus queridos amigos e minhas queridas amigas,

Já estamos próximos da semana santa, da celebração do mistério pascal de Jesus e também da nossa Páscoa anual. Neste quinto domingo da Quaresma, temos mais um longo texto do evangelista João, com uma catequese sobre os sinais realizados por Jesus. A narração deste domingo, da ressurreição de Lázaro, é exclusiva dele, que apresenta o sétimo sinal realizado por Jesus, restituindo a vida ao seu querido amigo. Esse sinal aponta para uma realidade maior: a ressurreição de Jesus e sua glorificação.

A cena situa-se em Betânia, palavra que significa “casa dos pobres”, uma aldeia localizada a três quilômetros de Jerusalém. O Evangelho descreve um triste episódio familiar: a morte de um homem, numa família constituída por três membros: Marta, Maria e Lázaro, pessoas muito queridas de Jesus, amadas por Ele (v. 5) e que também o amam. Os três simbolizam a própria humanidade na triste experiência de morte. As duas irmãs recordam o sofrimento, mas também a esperança da humanidade que sofre. João menciona somente esses três irmãos, não faz referência aos pais. A palavra irmão/irmã aparece nove vezes no texto. Após a ressurreição de Jesus, essa palavra será aplicada a todos os que abraçam a fé no ressuscitado e tornam-se seus discípulos. Além da palavra irmão/irmã, destacam-se as palavras: morto e seus correlatos, mencionada 14 vezes; doente e afins, mencionada 5 vezes e Lázaro, que significa “Deus ajuda”, mencionada 8 vezes.

João afirma que Lázaro estava doente, fato comunicado a Jesus pelas irmãs do enfermo, que não contou com a ida imediata de Jesus ao encontro dele, pois entendia que aquela doença não levaria Lázaro à morte, mas seria oportunidade para dar glória a Deus (v. 4). Provavelmente Jesus se encontrava a dois dias de viagem. O sinal realizado por Jesus, devolvendo a vida a Lázaro, e também a própria morte de Jesus, já apontada aí, glorificam a Deus e ao seu Filho ressuscitado.

João descreve o sofrimento das irmãs, nas lágrimas de Maria, e a solidariedade dos vizinhos, que também choram. Menciona ainda a dor de Jesus que derrama lágrimas pelo amigo morto. Suas lágrimas representam a solidariedade com toda a humanidade sofredora. A casa das irmãs, que estava cheia de dor, ficou vazia; no lugar brotará a esperança de vida. Elas vão ao encontro de Jesus, que se defronta com a sepultura do amigo morto há quatro dias, que significaria a perda total da esperança. A pedra na entrado do túmulo representa também a impossibilidade de retorno da vida. Mas para Jesus não há pedra irremovível: Ele é a ressurreição e a vida, quem crê nele, mesmo que morra viverá. E quem vive e crê nele, não morrerá jamais (vv. 25-26). Jesus questiona se Marta acredita nessa afirmação, escuta e acolhe sua profissão de fé (v. 27), realiza o sinal restituindo a vida ao amigo e atraindo também a fé de muitos judeus na sua pessoa (v. 45).

João destaca a ordem dada por Jesus a Lázaro, depois que agradeceu ao Pai porque sempre lhe escuta: “Lázaro, vem para fora! ”  (v. 43). Este saiu com as marcas da morte, com as amarras que impedem as pessoas de viverem a liberdade dos filhos de Deus. Jesus ordena que as amarras sejam removidas para que Lázaro retome a beleza da vida livre: “desatai-o e deixai-o caminhar! ” (v. 45).

Quaresma é tempo para vivenciarmos a beleza do nosso Batismo. Nele fomos mergulhados no mistério Pascal: morremos e ressuscitamos em Cristo. Como nos domingos anteriores, também neste domingo destaca-se o simbolismo do sacramento do Batismo no sinal realizado por Jesus.

A experiência da dor causada pela morte sobressai no Evangelho deste 5º domingo da Quaresma. A morte é uma realidade tão antiga e certa, mas inaceitável. Sempre nos assusta, sobretudo quando ocorre próximo a nós. Ela é temida. A arte a pinta de modo horripilante: como uma pessoa assustadora com uma foice na mão disposta a ceifar a vida humana.  Sofremos e não nos acostumamos, porque não fomos criados para a morte, mas para a vida. No projeto original do criador não constava a morte, ela é fruto da desobediência e fraqueza humanas (Cf. Gn 2,17). Deus criou-nos para a vida plena e feliz. A bela imagem do paraíso, onde Deus coloca o homem recém-criado, é retrato desse desejo divino (Cf. Gn 2,8). O sinal realizado por Jesus ao restituir a vida a Lázaro, e sua afirmação “Eu sou a ressurreição e a vida, quem crê em mim, mesmo que morra viverá” (v. 25), mostram que Deus retoma o seu projeto original, que a morte não triunfa sobre a vida concedida pela bondade divina. Os santos entenderam e creram nessa verdade. Para eles, a morte não é uma pessoa feia com uma foice na mão para nos destruir, mas a irmã que nos aproxima da vida plena e feliz.

Há mortes que podem ser evitadas. Essas, além da dor no coração de quem ama, provocam revolta. A Campanha da Fraternidade deste ano põe em destaque o tema da fome. Não ter o que comer e morrer em consequência da fome é uma vergonha e derrota para a humanidade, pois há comida suficiente para saciar a fome de todas as pessoas, mas falta justa distribuição. No Brasil cerca de 33 milhões de pessoas padecem a dor da fome. Conforme dados do Datasus, colhidos entre 2008 e 2017, o Brasil registrou 63.712 mortes decorrentes da desnutrição, uma média de 6.371 mortes por ano, e 17 mortes ao dia[1]. Essa realidade piorou nos últimos anos.

A fome, que causa a morte de tantos seres humanos, tem múltiplas causas, mas a raiz de todas é a ganância humana, a falta de solidariedade e de políticas de combate à fome. Uma das causas, retratada pelo texto-base da Campanha da Fraternidade, é a escassez de água, elemento vital e imprescindível para a vida (n. 59 e 60). Para quem planta, a água é essencial na produção do alimento. Muitas pessoas que morreram de fome, sobretudo no nordeste brasileiro, foi em consequência das secas e da falta de políticas públicas eficazes nesses períodos. O poeta Patativa do Assaré, falecido no ano de 2002, que dia 5 deste mês faria 114 anos de vida, compôs o poema “a morte de Nanã” retratando o  angustiante sofrimento de um pai ao ver morrer de fome sua filhinha, de apenas seis anos de idade. Ele retrata a fome causada pela seca de 1932 no Ceará. Inicia o seu poema descrevendo a triste história daquele pai: o choro do seu coração, a dor no seu peito, o lamento da sua alma ao perder o que mais amou na vida. Registra que a culpa não é de Deus, mas da ganância e maldade humanas. Esse poema está disponível no Youtube, recitado pelo próprio Patativa do Assaré.

+Dom Jeová Elias

Bispo Diocesano

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