Continuamos a caminhada de Jesus rumo a Jerusalém neste 28º domingo do Tempo Comum. Estamos no último trecho da viagem. Ainda a acompanharemos pelos três domingos seguintes. O texto de hoje é exclusivo de Lucas, evangelista que tem simpatia pelos excluídos e que resgata o valor dos samaritanos, colocando-os como modelo de misericórdia e serviço (Cf. Lc 10,30-37). Lucas diz que próximo à entrada de um povoado, dez leprosos foram ao encontro de Jesus, pararam à distância e gritaram: “Jesus, Mestre, tem compaixão de nós!” (v. 13). Entre os dez, um era samaritano, povo mal visto pelos judeus.
Os leprosos eram excluídos do convívio social, vistos como castigados por Deus. Além de sofrerem com a enfermidade, sofriam a discriminação e acusação injusta de serem pecadores e punidos por Deus. O diagnóstico da doença não era dado por alguém que entendesse de saúde, mas por um sacerdote. Esse também dava o diagnóstico da cura e prescrevia o rito de purificação para o retorno à vida comunitária e religiosa. Os capítulos 13 e 14 do livro do Levítico apresentam os detalhes como tratavam o tema no primeiro testamento. Como não entendiam adequadamente sobre o assunto, muitas enfermidades da pele, como dermatites, alergias e outras infecções, recebiam o diagnóstico equivocado. Além do corpo humano, também outros objetos poderiam sofrer essa compreensão.
Junto ao diagnóstico da “lepra”, dado pelo sacerdote, vinha também a sentença de exclusão da vida comunitária. O “enfermo” deveria viver às margens dos caminhos, na entrada dos povoados, dependendo da bondade dos outros que depositavam suas esmolas no lençol estendido ao chão. O “leproso” deveria andar com as vestes rasgadas, seus cabelos assanhados, cobrir a barba com um lenço e gritar a quem se aproximar: “impuro! Impuro! (Cf. Lv 13,45-46), para que se afastasse. Quem contava com um parente nessa situação deveria chorar como se chora por um morto, pois era visto como um excomungado pelo céu e pela terra (Cf. Bortolini, Roteiros Homiléticos – anos A, B e C, p. 693).
Uma norma existente no Antigo Testamento, chamada por alguns de “lei do puro e do impuro”, dividia as pessoas, os animais e os objetos em duas categorias: a dos puros e a dos impuros. No grupo dos impuros estavam incluídas as pessoas mais fragilizadas: as mulheres, os estrangeiros e os enfermos. Os “leprosos” estavam nessa categoria. As pessoas aí incluídas sofriam terrivelmente: não podiam ser tocadas e, tampouco, tocar em alguém ou algum objeto, pois os tornaria também impuros.
Os “leprosos”, que se encontram à margem da entrada de um povoado onde Jesus deve passar rumo a Jerusalém, ousam gritar por socorro: “Jesus, Mestre, tem compaixão de nós! ” (v. 13). Eles gritam sua condição, mas transgridem a lei pedindo socorro. Sabem que encontrarão misericórdia em Jesus. Sabem que a religião proposta por Ele não é da marginalização e punição desumana de quem erra, mas da compaixão e da oferta de vida. O grito deles não é para que Jesus não se aproxime, mas para que lhes tenha compaixão. “O clamor dos que estão à margem da sociedade é um apelo à vida, mais que uma denúncia de sua miséria” (Bortolini, p. 694).
Lucas narra que um, dentre os dez “leprosos”, era samaritano. Isto surpreende, pois os judeus jamais permitiam a presença de algum samaritano entre eles. Significa que a dor tem a capacidade de unir as pessoas diferentes. Que o sofrimento ajuda a superar os preconceitos. Que a dor os iguala e os une na busca de superação.
Jesus não fica indiferente ao clamor deles, mas os vê (v. 14). Ele não é cego, nem surdo aos apelos dos que sofrem. Ele não ignora a dor das pessoas. Ele não tem nojo de quem está doente. Em outra cura de “leproso”, Lucas diz que Ele estendeu a mão e o tocou (Cf. Lc 5,13). Ele não teme ficar impuro, conforme diziam. A preocupação dele é com a vida, mais do que com preceitos e normas rituais propostas pela religião da época. Ele veio para que todos tenham vida e a tenham em abundância (Cf. Jo 10,10). A religião que agrada a Deus é aquela que se preocupa com a vida abundante dos seus filhos e filhas, não a que fica presa a certas normas sem sentido. O papa Francisco tem insistido reiteradamente para que a nossa Igreja tenha essa preocupação: ser como um hospital de campanha que cuida da vida das pessoas feridas. Isto é urgente! Para o papa, não devemos ter medo de rever algumas normas não ligadas diretamente ao núcleo do Evangelho. Ele diz que “há normas ou preceitos eclesiais que podem ter sido muito eficazes noutras épocas, mas já não têm a mesma força educativa como canais de vida” (Evangelii Gaudium n. 43).
A palavra dita por Jesus em resposta ao pedido deles é: “Ide apresentar-vos ao sacerdote” (v. 14). Significa que tinha realizado o desejo deles e que os orientava a seguirem o que prescrevia a lei: que o sacerdote desse o diagnóstico da cura e os recebesse de volta ao convívio. Lucas diz que “enquanto caminhavam aconteceu que ficaram curados” (v. 14). A cura acontece no caminhar. O samaritano, ao perceber que tinha sido curado, voltou glorificando a Deus em alta voz, atirou-se aos pés de Jesus e o agradeceu (v. 15). Dar glória a Deus, em Lucas, é característica dos pobres e sofridos (Cf. 2,5; 5,25; 13,13; 18,43; 23,47). Somente ele voltou a Jesus. Os outros nove voltaram à instituição que os excluiu. Eles representam aqueles judeus que se julgavam merecedores da graça divina e que, portanto, não tinham que agradecer.
Lucas conclui o texto deste domingo com a palavra de Jesus dirigida ao samaritano: “levanta-te e vai! Tua fé te salvou” (v. 19). O verbo levantar, em grego (anastás), recorda a ressurreição de Jesus. Os dez foram curados, mas somente um foi salvo: o samaritano. A expressão “tua fé te salvou”, tão apreciada por Lucas, é usada em outros textos para manifestar a salvação às pessoas vistas como pecadoras, mas que possuem muita fé (Cf. 7,50; 8,48; 18,42).
A enfermidade apresentada por Lucas neste domingo, hoje chama-se hanseníase, é curável. Mas durante muitos anos as pessoas com tal enfermidade foram confinadas em leprosários. A Igreja se destacou no cuidado desses sofredores. Menção especial merece o Pe. belga Damião de Veuster, com sua história apresentada no filme “Molokai, a ilha maldita”, que dedicou grande parte do seu ministério às pessoas confinadas numa ilha, onde também foi infectado pelo “bacilo de Hansen” e faleceu em 1889, com 49 anos de idade. Ele foi canonizado em 2009 pelo papa Bento XVI. A Igreja continua se preocupando com os leprosos atuais. São tantos os que gritam por socorro e que exigem a nossa sensibilidade pastoral e humana. Não podemos ficar indiferentes aos seus gritos. Infelizmente, alguns agentes pastorais que se dedicam aos cuidados desses irmãos sofrem incompreensões, acusações e agressões de pessoas que se julgam do bem e veem a sociedade dividida em duas categorias: gente do bem e gente do mal. Nesta segunda, estão os mais pobres e marginalizados. Certamente Jesus está incluído entre estes.
Estamos vivenciando ainda o processo eleitoral com o segundo turno em alguns estados e em nível federal. Um dos critérios para a escolha desses representantes apresentado pelo Evangelho de hoje é a sensibilidade e o cuidado com os “leprosos” atuais, com o seu grito por socorro. Dentre os que concorrem, alguns já exerceram mandatos. Analisemos o que fizeram pelos mais pobres e qual a proposta deles para erradicar a fome, o desemprego, as enfermidades curáveis, e as profundas injustiças sociais presentes no nosso querido Brasil.
+Dom Jeová Elias
Bispo Diocesano