Neste quinto domingo da Páscoa, o Evangelho que meditamos está num contexto triste, de despedida de Jesus. Ao final da última ceia, Jesus afirma que não permanecerá por muito tempo com seus discípulos (v. 3). Eles ficam desconcertados, pois intuem que Jesus irá morrer. Estão assustados! Por isso, Jesus os consola numa conversa de despedida. Pede para que o coração deles não se perturbe e que tenham fé na sua pessoa (v. 1). Sua morte não será um fracasso para a fé dos apóstolos, mas a possibilidade de vida plenificada. Jesus afirma que partirá para preparar um lugar para eles e também para nós. Esse evangelho é um dos textos propostos para a celebração das exéquias, que oferece conforto aos familiares tristes, quando nos despedimos da pessoa falecida e a entregamos nas mãos misericordiosas de Deus.
Jesus promete preparar uma morada para nós. Diz que há muitas moradas na casa do Pai (v. 2). O evangelista João imagina o mundo celeste como um grande palácio, ou como um templo de muitos quartos (Cf. Jo 14,2-3, nota na Bíblia do Peregrino). A casa do Filho Jesus é feita por Ele também nossa. Sua casa é imensurável! Não contém só um cômodo confortável para os heróis e vencedores. É casa acolhedora e hospitaleira. Não é um hotel luxuoso para os privilegiados que pagam um preço caro para hospedar-se. É gratuita, como profetizara Isaías: venham, vocês que têm fome e sede, comam e bebam sem dinheiro e sem pagar. Venham para o banquete (cf. Is 55,1-2). Algumas pessoas querem exclusivismo, a propriedade daquilo que é feito dom para todos. Há até mesmo quem venda lote no céu! A casa do Pai, feita também nossa, é eterna e infinita, é universal, é de todas as criaturas, pertence a todos que amam e são amados por Deus. Essa casa é o céu, mas já é o nosso planeta, onde Jesus se encarna, arma sua tenda e permanece entre nós, que deveria ser um pedacinho do céu. Dinheiro nenhum do mundo pode comprá-la. O preço dela foi pago pelo amor de Jesus. Nela não há lugar para quem odeia. É a casa do amor, do pleno amor!
Aparecem dois discípulos que dialogam com Jesus: Tomé, que afirma não saber para onde irá Jesus e tem dúvida sobre o caminho, representando a comunidade inquieta com a despedida de Jesus; e Felipe, que pede para que Jesus lhes mostre o Pai, pois isto lhes basta (v. 8). Para onde vamos, qual o caminho, como ver o rosto do Pai? Em Jesus está a resposta: Ele é o caminho, a verdade e a vida. Nele comtemplamos o rosto amoroso do Pai, que é ternura maternal. No primeiro Testamento, Deus era intocável, invisível e irrepresentável. Quem o visse morreria. Quanto desejo de vê-lo, tocá-lo, abraçá-lo e senti-lo. Felipe representa o desejo da comunidade, o nosso desejo. Em Jesus realizamos este desejo. Nele, Deus veio habitar entre nós. Ele tem carne, tem cheiro, tem sentimento, ama profundamente. Ele não tem nojo de nós, nos toca, nos abraça nas crianças, se compadece dos que sofrem. Ele se faz caminho e caminhante. Ele é a verdade que esclarece todas as nossas dúvidas. Ele toca as nossas chagas e deixa-se tocar pelas pessoas feridas. Movidos pela piedade popular, conforme o Documento de Aparecida, “nossos povos se identificam particularmente com o Cristo sofredor, olham-no, beijam-no ou tocam seus pés machucados, como se dissessem: Este é ‘o que me amou e se entregou por mim’ (Gl 2,20)” (DAp n. 265). Agora podemos ver o Pai não somente na beleza das suas criaturas, na natureza, no universo em seu conjunto, desde os micro-organismos até o maior órgão do universo. Podemos ver o Pai no rosto amoroso de Jesus Cristo. Quem o vê, nele vê o Pai (v. 9). O rosto de Jesus Cristo, que devemos amar e tocar, está presente não somente no Santíssimo Sacramento, mas também nas pessoas que sofrem (Cf. Mt 25,34-40). O querido Papa Francisco nos convida a ser uma Igreja em saída. A ir às periferias para contemplar e tocar o rosto de Jesus em cada pessoa, sobretudo nas que sofrem. Mesmo que haja o risco de cair na caminhada, se enlamear e se ferir. Sair, caminhar, não ficar estáticos! Igreja missionária, Igreja samaritana, Igreja servidora.
Para onde vamos? É a pergunta que fazemos, como Felipe. Somos peregrinos, a caminho para a vida eterna. Conforme Santo Agostinho, nosso coração vive inquieto enquanto não repousa em Deus. Mas os valores do Reino devem ser edificados aqui na terra. Qual o caminho? Jesus afirma ser o caminho que liga o céu à terra. Somente por Ele é possível chegar ao Pai. Não tem como arrodear. Conforme ouvimos no domingo passado, Jesus é a única porta das ovelhas (Cf. Jo 10,7-9). Os que vieram antes dele são ladrões e assaltantes. Somente em Jesus é possível o acesso ao Pai, à vida plena e eterna.
As palavras de Jesus são, no Evangelho de João, enigmáticas. Os discípulos precisam fazer perguntas para tentar entender o que Ele quer dizer. A pergunta de Tomé – “Senhor, nós não sabemos para onde vais. Como podemos conhecer o caminho?” (v. 5) – favorece a declaração de Jesus, centro do texto deste domingo: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vai ao Pai senão por mim” (v. 6). Através da sua morte e ressurreição, Ele é o caminho para a vida, enquanto na religião de então, o caminho era o cumprimento da Lei, da Torá, o nosso Pentateuco. A humanidade de Jesus é o caminho para os que são verdadeiramente humanos chegarem a Deus. Jesus é a verdade, diferente da verdade entendida pela filosofia grega, ou pelo judaísmo, que via a verdade na Lei. A verdade de Jesus é a fidelidade ao projeto do Pai, a coerência entre as suas palavras e os seus gestos. É a comunicação daquilo que o Pai quer dizer à humanidade com palavras compreensíveis, que clareiam nossas inquietações. Jesus é a vida, veio para que todos tenham vida, e vida em abundância (Cf. Jo 10,10). Para isto, ele entrega a própria vida. A promoção da vida deve ser a preocupação central do discípulo de Jesus. No nosso subcontinente latino-americano são muitas as injustiças sociais que ferem a dignidade humana dos pobres, e a Igreja, na sua missão evangelizadora, não pode ficar indiferente diante dessa realidade que não favorece a vida plena. Temos o maior número de católicos do mundo, mas também a maior iniquidade social, contradição dolorosa, como diz o documento de Aparecida[1]. Segundo Brighenti, “uma religião que não plenifica a vida das pessoas ou que não as faz mais felizes, não é digna do ser humano”[2].
Que Jesus seja, para nós, “caminho, verdade e vida! ”
+Dom Jeová Elias
Bispo Diocesano