Celebramos neste domingo a Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, rei do universo, e o encerramento deste ano litúrgico. Confesso que preferiria ter como tema para esta solenidade: Jesus Cristo servidor universal! Pois Jesus nunca teve a pretensão de ser rei. O título de rei foi imposto no letreiro na sua cruz: “Este é o rei dos judeus” (v. 38). Seu desejo era servir, como demonstrou na ceia de despedida ao lavar os pés dos seus apóstolos e permanecer com o avental até a cruz, como sinal de serviço (Cf. Jo 13,12-15). Claro que Ele veio instaurar um Reino, mas diferente dos reis temporais: exercido no amor, no serviço, no perdão e no dom da própria vida. Como rezamos no prefácio da Missa: “reino da verdade e da vida, reino da santidade e da graça, reino da justiça, do amor e da paz”
Jesus é um rei diferente que entra na nossa história no barraco de um carpinteiro e não em um palácio real; seu trono é a cruz, sua coroa não é de ouro, mas de espinhos, os companheiros que ladeiam seu trono não são discípulos, mas dois malfeitores. Os dois discípulos que tinham pedido para sentar-se à direita e à esquerda do seu trono sumiram (Cf. Mc 10,35-40). Ficar ao lado de Jesus na sua glória, que é a cruz, estava reservado por Deus a outros dois (Cf. Mc 10, 40). Os sinais descritos no Evangelho não permitem identificar Jesus com poder, com autoridade temporal, com realeza terrena. Entre as pinturas mais antigas descobertas no século III, nas catacumbas de São Calisto, em Roma, que tive a graça de visitar no mês de setembro passado, não se encontra o retrato de Jesus como rei, mas como Bom Pastor.
O texto de Lucas deste domingo está inserido na seção da paixão de Jesus, que tem início com a conspiração de Judas, se estende na preparação e celebração da despedida de Jesus na última ceia, a ida dele ao monte das Oliveiras e sua condenação à morte. Os versículos desta solenidade o apresentam crucificado ao lado de dois criminosos e as reações de algumas pessoas. Não consta o início do versículo 35 que registra a reação do povo: permanecia lá, apenas olhando.
Lucas destaca a atitude de algumas pessoas diante do crucificado que fazem galhofa da sua dor, que o humilham cada vez mais: os chefes zombam dele; os soldados caçoam dele e lhe oferecem vinagre, desafiando-o a salvar-se a si mesmo, caso fosse o rei dos judeus (v. 38). O verbo que mais se destaca na cena é salvar, que aparece 4 vezes, do total das 16 vezes que o Evangelho o menciona. Os que zombavam de Jesus também o desafiavam a salvar-se a si mesmo, sendo que um dos malfeitores acrescenta o desafio a salvar também os dois crucificados ao seu lado. O outro repreende seu colega e, ao contrário, não pede que Jesus se salve, mas que se lembre dele ao entrar no seu reinado (v. 42). O objetivo do Messias Servo não era salvar sua própria pele, mas salvar a todos que depositaram nele sua esperança, toda humanidade.
Ao pedido do malfeitor para lembrar-se dele ao entrar no seu reinado (v. 42) Jesus responde: “em verdade eu te digo: ainda hoje estarás comigo no Paraíso” (v. 43). Essa imagem é uma recordação do projeto original de Deus que, depois de criar o homem, colocou-o no Jardim do Éden (Cf. Gn 2,15), um paraíso na terra. Deus queria a felicidade do homem, na beleza do paraíso, mas o homem rompeu esse projeto. Contudo, Deus não desistiu do seu projeto até se realizar em Jesus Cristo. Conforme o frei Carlos Mesters, “a narração bíblica do paraíso sugere as enormes possibilidades que continuam abertas até hoje. Existe para o homem a possibilidade real de poder viver e conviver com Deus sem pecado algum, na perfeita justiça. O homem, como Deus o quer, tem, além disso, a possibilidade real de viver sempre e de ser imortal. Finalmente, está aberto para ele o caminho para um dia chegar a ser feliz, sem sofrimento, vivendo plenamente integrado consigo, com os outros e com a natureza” (Paraíso Terrestre – saudade ou esperança? p. 49). Aquele malfeitor reconhece seu erro, que paga por ele, mas Jesus nada fez de errado. Ele pede o reino, Jesus lhe promete o paraíso, sinônimo de vida eterna feliz.
Nesta Solenidade de Cristo rei, a Igreja, no Brasil, lança o terceiro Ano Vocacional, que se estenderá até essa mesma solenidade em 2023, celebrando os 40 anos do primeiro ano temático dedicado à reflexão, oração e promoção das vocações no nosso país. O tema deste ano vocacional é: “Vocação: Graça e Missão”, e pretende reafirmar que a vocação é um dom de Deus, o mais belo e precioso segredo de nossa liberdade. O lema é: “Corações ardentes, pés a caminho” (cf. Lc 24, 32-33), que recorda os discípulos de Emaús. “Enquanto a graça faz o coração arder, a missão faz os pés estarem a caminho, em movimento. O objetivo geral é afirmar que todos somos chamados por Deus. Entre os objetivos específicos, destaca-se o apelo a cultivar uma sensibilidade vocacional e a intensificar a oração pelas diversas vocações.
Desejo que este Ano Vocacional nos ajude a tomar consciência do chamado divino, a dizer sim com generosidade e a colocar nossa vida a serviço do Reino de Deus, como Jesus. Também a recordar no crucificado, que nos chama a ser seus discípulos missionários, a dor e a humilhação de tantas vítimas desconhecidas que sofrem o esquecimento de quase todos (Cf. Pagola, O caminho aberto por Jesus – Lucas, p. 351).
Com a oração deste terceiro Ano Vocacional, concluo esta reflexão: “Senhor Jesus, enviado do Pai e Ungido do Espírito Santo, / que fazeis os corações arderem e os pés se colocarem a caminho, / ajudai-nos a discernir a graça do vosso chamado / e a urgência da missão.
Continuai a encantar famílias, crianças, adolescentes jovens e adultos, / para que sejam capazes de sonhar e se entregar, / com generosidade e vigor, a serviço do Reino, / em vossa Igreja e no mundo.
Despertai as novas gerações / para a vocação aos Ministérios Leigos, / ao Matrimônio, à vida consagrada / e aos Ministérios Ordenados. Maria, Mãe, Mestra e Discípula Missionária, / ensinai-nos a ouvir o Evangelho da Vocação / e a responder com alegria. Amém! ”
+Dom Jeová Elias
Bispo Diocesano