Neste segundo domingo da Quaresma, o Evangelho de Mateus traz o texto da transfiguração do Senhor, também narrado pelos outros dois Evangelhos sinóticos: Marcos e Lucas. Cada um dos três evangelistas destaca alguns detalhes próprios. Mateus mostra Jesus como o novo Moisés e o Profeta que inaugura o Reino de justiça.
O texto deste domingo está inserido na seção dedicada à catequese sobre o seguimento de Jesus até a cruz. Esse caminho pode desmotivar os discípulos de Jesus, por isso Mateus apresenta a passagem da transfiguração: para animar os discípulos e os crentes em geral, mostrando que, apesar da proximidade da cruz, Jesus será glorificado, Ele é o Filho amado de Deus. A transfiguração é um refrigério diante da perspectiva sofrida dos apóstolos. É a antecipação da glória que Jesus alcançará vencendo a morte, na ressurreição.
Mateus diz que Jesus subiu à montanha, identificada pela tradição como monte Tabor, levando consigo três apóstolos: Pedro, Tiago e João. Três era o número exigido para testemunhar um fato (Cf. Dt 19,15; Mt 18,16). Sobe uma alta montanha e se transfigura diante deles: “o seu rosto brilhou como o sol e as suas roupas ficaram brancas como a luz” (v. 2). Essa mudança de aparência é entendida como uma antecipação da glorificação que Jesus irá experimentar definitivamente, passando pela experiência do sofrimento, da rejeição, da condenação à morte na cruz, para que os apóstolos não desanimassem diante das provações e perseguições que surgissem. Como Jesus sofreu, também eles passariam pelo mesmo destino do seu Mestre, mas não seriam derrotados. É um consolo no momento presente que animará e fortalecerá o grupo nas perseguições.
A transfiguração é uma nova maneira de entender o passado e atualizar o seu sentido. Alguns elementos do primeiro Testamento estão presentes com seu simbolismo: a montanha, que recorda o monte onde Moisés subiu para fazer a Aliança com Deus; Moisés e Elias, que representam a Lei de Deus e o profetismo: Jesus é o novo Moisés, o novo Libertador. Nele está a nova lei – a lei do amor; Ele é o novo Profeta, o Profeta por excelência; nele está o profetismo autêntico que denuncia as injustiças e anuncia a misericórdia de Deus; a nuvem, que tem muito destaque nas manifestações divinas no primeiro Testamento: ela lembra a proteção divina que oferecia, durante o dia, sombra ao povo que saía da escravidão no Egito, pelo deserto e, durante a noite, ela iluminava o caminho rumo à terra prometida; as tendas, que evocam a presença de Deus junto do seu povo peregrino (Cf. Ex 33,7-10), que anima a sua caminhada.
A transfiguração é, ainda, uma abertura para o futuro, com o convite para escutar a Jesus. Sua palavra ensina, anima, fortalece na caminhada; e também convida os apóstolos a levantarem-se e a não terem medo (v. 7). Ao levantarem-se, os apóstolos ergueram os olhos e não viram mais ninguém, a não ser somente Jesus (v. 8). Desapareceram Moisés e Elias, mas permaneceu Jesus, a Palavra viva que deve ser ouvida. A mensagem do Evangelho tem mais valor do que a Lei e os profetas. Jesus é a Palavra viva, o Filho amado de Deus, que deve ser ouvido (v. 5).
Escutar a Jesus é o convite de Mateus: “Este é o meu Filho amado, no qual eu pus todo o meu agrado. Escutai-o!” (v. 5). Esse convite ressoa mais forte neste tempo quaresmal. Mas onde escutamos Jesus Cristo? Ele fala, sobretudo, nos Evangelhos. O papa Francisco sugere que cada pessoa leve consigo um pequeno Evangelho para ler diariamente e se alimentar da Palavra de Jesus. Mas a palavra de Jesus não está somente nos Evangelhos, está presente na vida: é uma palavra dinâmica, viva, que se atualiza nos acontecimentos. Jesus fala na história. Ele fala na experiência de oração que fazemos, na comunidade que se reúne para celebrar a sua fé, mas especialmente na pessoa de cada irmão, de cada irmã, particularmente naqueles que mais sofrem. Os pobres são o evangelho vivo de Jesus Cristo, e quantas vezes somos surdos aos seus apelos neles!
Saibamos escutar o Senhor, o Filho amado de Deus! Ele é o nosso Mestre, é o nosso irmão, é o nosso amigo. Sua palavra infunde vida. Escutar é mais do que ouvir, é comprometer-se. “A escuta não se faz apenas com o ouvido exterior, mas com o sentido do coração” (Tolentino, A Mística do Instante, p. 107). Escutar o Filho é acolhê-lo naquilo que Ele é. A fé nasce da escuta profunda, que arranca do coração dos discípulos o escândalo da cruz (Cf. Tolentino, A Mística do Instante, p. 11). Escutar é comprometer-se e praticar a palavra anunciada como sinal de prudência (Cf. Lc 6,47-49). Amamos aquele que verdadeiramente escutamos.
A experiência da transfiguração impacta Pedro, que propõe fazer três tendas: uma para Jesus, outra para Moisés e outra para Elias (V. 4). Ele é tentado a não descer à terra, simbolizando uma fé alheia aos problemas humanos, sem motivação para transformar a realidade sofrida. Quer ficar na religião do brilho e da glória. Jesus convida os apóstolos a descerem e a se comprometerem doando a própria vida. A religião que agrada a Deus não é a que nos anestesia diante da nossa própria dor, e da dor dos outros, mas a que oferece uma injeção de ânimo para transformar a realidade sofrida em que se encontram os filhos de Deus.
Quaresma é tempo forte de conversão. Tempo para fazermos uma séria e profunda revisão de vida pessoal e comunitária. Tempo de abrir os olhos e os ouvidos para perceber o que não está de acordo com o projeto divino. Para isto, a cada ano, a Igreja no Brasil promove a Campanha da Fraternidade destacando um tema preocupante. Neste ano traz a tragédia da fome, que nos envergonha. Conforme afirma o Texto-base, a alimentação adequada é um direito humano inerente a toda pessoa (n. 36). Mas esse direito é negado a milhões de concidadãos nossos. O objetivo geral da Campanha da Fraternidade é “sensibilizar a Igreja e a sociedade para enfrentarem o flagelo da fome, sofrido por uma multidão de irmãos e irmãs, por meio de compromissos que transformem esta realidade a partir do Evangelho de Jesus Cristo”.
Escutemos o Senhor! Subamos à montanha para o encontro bonito e profundo com o nosso Deus. Mas desçamos a montanha para o encontro solidário, fraterno e amoroso com os nossos irmãos e irmãs, em quem podemos ter a experiência concreta da presença de Jesus Cristo.
+Dom Jeová Elias
Bispo Diocesano