Neste domingo, concluindo a oitava do Natal, celebramos a solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus. Dada a sua importância, o Natal de Jesus Cristo se estende por 8 dias, não dura somente 24 horas. Hoje celebramos também o Dia Mundial da Paz, instituído pelo papa Paulo VI em 1968, propondo aos homens de boa vontade a oração, especialmente nesse dia, pela paz; além disso, colocamos nas mãos de Deus o ano civil que iniciamos.
O Evangelho desta Solenidade apresenta o projeto libertador de Deus que se torna real na pessoa de Jesus Cristo, nascido de uma mulher (Cf. Gl 4,4), para resgatar os escravos da lei e torná-los filhos e herdeiros de Deus (Cf. nota em Gl 4,4, Bíblia do Peregrino, Novo Testamento). Em Jesus já não seremos escravos, mas filhos (Cf. Gl 4,7). Isso traz alegria aos pobres e excluídos, representados pelos pastores que correm a Belém ao encontro do recém-nascido, deitado na manjedoura (v. 16), e partilham o que ouviram sobre o menino, suscitando maravilha nos seus ouvintes. O Filho de Deus entra na nossa história no meio dos pobres, no seio de uma mulher. Ele não veio como um E. T., mas verdadeiramente humano, não somente com a aparência humana. Também verdadeiramente divino. Maria, hoje celebrada como Mãe de Deus, do Deus que se encarna na nossa história e se torna humano, é nosso modelo de acolhimento e comprometimento com o projeto divino. Ela aceita o chamado de Deus e colabora com o seu projeto de salvação, mesmo que não entenda completamente os seus planos. Lucas destaca que ela guardava todos os fatos e meditava sobre eles no seu coração (v. 19). Ao longo da vida, ela irá crescendo na compreensão desses mistérios.
O nascimento de Jesus, do seio de Maria, trouxe alegria e esperança aos pobres que correm ao seu encontro, que têm pressa (v. 16). O saudoso Betinho dizia que “quem tem fome, tem pressa”. Os pobres têm pressa de vida digna. Jesus traz alegria e esperança aos pobres, mas traz preocupação e inquietação aos ricos e poderosos, representados por Herodes, que não querem abrir mão dos seus privilégios. Eles tremem de medo (Cf. Mt 2,3). Não se alegram como os pobres. Herodes trama uma forma de exterminar aquele que veio para que todos tenham vida (Cf. Mt 2,16-18). Os “Herodes” de hoje também tramam exterminar a esperança dos pobres.
Os verbos que se destacam no Evangelho da Solenidade deste domingo, festa da Mãe de Deus, são: viram, ouviram, contaram, voltaram. Dois importantes sentidos estão em destaque. Aos pobres pastores o anjo levou a boa notícia: eles ouviram o anúncio de uma grande alegria; ouviram que não deviam temer, pois Deus enviou o Salvador (Cf. Lc 2,10-12). Eles foram ao encontro de Maria e José, e viram o menino deitado na manjedoura (Cf. Lc 2,16). Como eles, também somos convidados a ir às periferias, a ver, ouvir e anunciar a presença de Deus na nossa história; a tocar a carne sofrida de Jesus nos rostos sofredores dos irmãos (Cf. Evangelii Gaudium n. 270). O encontro com Jesus deve nos ajudar a voltar glorificando e louvando a Deus por se fazer presente na nossa história dando sentido e força à nossa caminhada. Quem encontra o Salvador tem o compromisso de compartilhar essa alegria, para que outras pessoas também a possam experimentar e para que ninguém seja excluído da alegria trazida pelo Senhor (Cf. Evangelii Gaudium n. 3).
Nosso olhar se volta hoje, de um modo muito especial, à nossa mãe Maria. Ela é a mulher da escuta. Ouviu e acolheu o anúncio divino (Cf. Lc 1,26-38). Nela a Palavra se torna realidade, se encarna. Ela acolhe a vida divina. Como afirma o cardeal José Tolentino, a primeira lição que aprendemos com Maria é a hospitalidade para com a vida (Cf. Elogio da sede, p. 150). Sua vida está a serviço de um projeto maior, de uma vida maior (Ibidem, p. 151). Como Maria, a Igreja deve colocar-se como serva do Senhor e vencer a tentação da autorreferencialidade, pondo-se com coragem a serviço dos últimos, lavando seus pés (Cf. Tolentino, Elogio da Sede, p. 152). Ainda, conforme Tolentino, “a Igreja precisa, em cada tempo, aprender de Maria a compaixão, a ternura e o cuidado que a sede de cada ser humano inspira (Ibidem, p. 153). Conforme o papa Francisco, “há um estilo mariano na atividade evangelizadora da Igreja. Porque sempre que olhamos para Maria, voltamos a acreditar na força revolucionária da ternura e do afeto” (Evangelii Gaudium, n. 288).
Neste primeiro dia do ano, elevamos nossa prece ao bom Deus pela paz mundial. A paz, na perspectiva bíblica é a plenitude dos dons divinos. Como afirma o papa Francisco, “a paz não é apenas ausência de guerra, “mas o empenho incansável – especialmente daqueles que ocupam cargo de maior responsabilidade – de reconhecer, garantir e reconstruir concretamente a dignidade de nossos irmãos, tantas vezes esquecida ou ignorada, para que possam sentir-se os principais protagonistas do destino da própria nação” (Fratelli Tutti, n. 233). É certo que as guerras são a face midiática mais perceptível da destruição da paz. A paz é fruto da justiça (Cf. Is 32,17). Como viver em paz desempregado, sem ter remuneração justa que possibilite viver com dignidade? Sem uma casa para morar, sem acesso a tratamento médico… a paz é destruída quando faltam os meios necessários para viver dignamente. A paz real e duradoura somente é possível “a partir de uma ética global de solidariedade e cooperação ao serviço de um futuro modelado pela interdependência e a corresponsabilidade da família humana inteira” (Fratelli Tutti, n. 127).
Diz ainda o papa Francisco, na Fratelli Tutti, que a paz é obra inacabada, sempre está em construção. É tarefa que não dá tréguas e exige compromisso de todos. Que o esforço na construção da paz deve evitar a tentação da vingança, com a busca de interesses apenas particulares e a curto prazo. As manifestações públicas violentas não ajudam a encontrar vias de saída, sobretudo porque quando são incentivadas nem sempre aparecem claras as origens e objetivos das mesmas; “não faltam formas de manipulação política e apropriações a favor de interesses particulares” (n. 232).
Na sua mensagem para este mundial da paz, o papa Francisco, partindo da constatação do transtorno causado na humanidade pela pandemia, lembra que ninguém se salva sozinho e convida-nos a recomeçarmos juntos, a partir da Covid-19. Ele propõe o questionamento sobre o que aprendemos com a pandemia; quais os novos caminhos devemos trilhar para romper as correntes dos nossos velhos hábitos; quais sinais de vida e esperança podemos cultivar para melhorar o nosso mundo (n. 03). O papa lamenta também a guerra na Ucrânia, que inclusive o fez derramar lágrimas em público. Diz que “esta guerra, juntamente com todos os outros conflitos espalhados pelo globo, representa uma derrota não apenas para as partes diretamente envolvidas, mas para a humanidade inteira. E enquanto para a Covid-19 se encontrou uma vacina, para a guerra ainda não foram encontradas soluções adequadas. Com certeza, o vírus da guerra é mais difícil de derrotar do que aqueles que atingem o organismo humano, porque o primeiro não provém de fora, mas do íntimo do coração humano, corrompido pelo pecado (n. 04). O papa nos exorta a mudar o coração, motivados pelo momento histórico, transformando nossos hábitos e superando a preocupação somente com os nossos espaços de interesses pessoais (n. 05).
Ano novo, vida nova! Renovemos a esperança neste ano que iniciamos, pois Deus caminha com o seu povo. Inspirado pela mensagem do papa Francisco, desejo que possamos caminhar juntos neste novo ano, valorizando as lições tiradas da história recente e, de mãos dadas, sendo artesãos da paz e construindo dia após dia, um ano feliz!
+Dom Jeová Elias
Bispo Diocesano