Continuamos acompanhando a caminhada de Jesus a Jerusalém. Enquanto caminha, Ele manifesta os valores do Reino, realiza sinais, ensina e renova a esperança dos seus discípulos. O texto deste domingo está localizado depois do discurso de Jesus sobre a vinda definitiva do Filho do Homem (Cf. Lc 17,20-37). São Lucas o redigiu por volta do ano 80, quando as comunidades cristãs sofriam hostilidades por parte dos judeus e dos pagãos e já vislumbravam as grandes perseguições que enfrentariam no final do primeiro século. Há uma ansiedade pela vinda rápida de Jesus, pela intervenção definitiva de Deus para salvar o seu povo.
Diante daquela ansiedade, Jesus conta a parábola do juiz iníquo e da viúva insistente no seu desejo de justiça. Ele ousa comparar, no bom sentido, um juiz que é lento em fazer justiça, a Deus, justo juiz. A intenção é ajudar o povo a não desanimar perante a aparente demora de Deus em atender às suas expectativas e anseios por vida. A parábola mostra a necessidade de perseverar na oração, de não desistir no esforço pela justiça do Reino de Deus, a confiar que Ele fará justiça aos que suplicam dia e noite.
Lucas destaca, na parábola contada por Jesus, dois personagens de uma cidade: um juiz e uma viúva. Eles são distintos em sua condição social: um tem a justiça nas mãos, é poderoso, mas usa mal o poder que possui; é arrogante, não teme a Deus e não respeita homem algum. Ele é surdo à voz de Deus e indiferente aos sofrimentos dos injustiçados. É uma descrição profundamente negativa daquele juiz. O outro personagem é uma viúva injustiçada, que simplesmente deseja justiça contra o seu adversário e que, durante muito tempo, não é atendida por aquele juiz (vv. 3-4).
As viúvas, na tradição bíblica, juntamente aos órfãos e os estrangeiros, eram as pessoas mais indefesas, mais pobres entre os pobres. Naquela sociedade machista, elas não contavam com a proteção do marido, e seus direitos eram ignorados por aqueles que deveriam fazer valer a lei, que ordenava não as maltratar e nem maltratar os órfãos (Cf. Ex 22,22; Dt 24,17). Segundo o teólogo alemão Joachim Jeremias, em Jerusalém, no tempo de Jesus, era assegurado às viúvas continuarem morando, durante a viuvez, na casa deixada pelo marido falecido e viver dos bens deixados por ele, mesmo que não houvesse um testamento para tal (Jerusalém no tempo de Jesus, p.189). Mesmo assim, seus direitos não eram respeitados. Elas não contavam com um defensor legal, ficavam à mercê dos juízes desonestos como o da parábola. Jesus acusa os Mestres da Lei de explorarem e roubarem a casa das viúvas (Cf. Lc 20,47), eles que deveriam zelar pelo cumprimento da Lei. Na nossa parábola, a própria viúva apresenta sua demanda ao juiz: provavelmente tratava-se da cobrança de dívida deixada pelo marido, com alguma hipoteca sobre a herança patrimonial (Cf. Rinaldo Fabris e Bruno Maggione, Os Evangelhos II, p. 175).
Lucas afirma que durante muito tempo o juiz se recusou a fazer justiça, não deu atenção ao pedido da viúva. Por fim, resolveu agir, não por respeito à justiça, mas por um motivo egoísta: para não continuar sendo importunado e evitar ser agredido por uma mulher desesperada por justiça (vv. 4-5). Em conclusão, a parábola afirma que se esse juiz injusto resolve fazer justiça por um motivo egoísta, e que Deus, justo juiz, em sua generosidade nunca permitirá que vença a injustiça, Ele fará justiça no momento certo. Ele é um juiz parcial, mas sua parcialidade é favorável aos mais pobres e indefesos, diferente da parcialidade dos juízes iníquos que favorecem os ricos e poderosos.
Nosso povo, em sua sede de justiça, tem dificuldade de acesso e nem sempre confia nas decisões do judiciário. Acha que a justiça humana tarda e falha demais. Resta confiar na justiça divina, mesmo que entenda também que ela tarda – mas não falha. Jesus ensina que a justiça divina é diferente da humana. Deus tem outros critérios para julgar. O homem vê a aparência, Deus vê o coração (Cf. 1Sm 16,7). É certo que a justiça divina leva a marca da misericórdia e que nunca falha; também não tarda, ocorre no momento certo, que cabe a Deus saber.
Como a viúva, somos convidados a perseverar na oração, a ser resilientes nas adversidades e insistentes na luta pela justiça do Reino de Deus. Nunca devemos entregar os pontos, desistir dos nossos legítimos ideais, abandonar as bandeiras de luta por um mundo mais justo e fraterno. Os pobres e injustiçados não devem deixar de gritar por justiça, mesmo que tantos ouvidos de algumas autoridades sejam moucos, mesmo que sejam zombados em seus gritos de dores. Se eles se calarem, as pedras gritarão por justiça (Cf. Lc 20,40). Não devemos ter pressa na nossa oração, pretender ter uma resposta rápida de Deus, contar o tempo que a Ele dedicamos. Num mundo pragmático, que vê o tempo como dinheiro, somos convidados a saber “perder tempo” com Deus. Quem ama sabe perder tempo com a pessoa amada. O amor está na dinâmica da gratuidade, e se não formos capazes de perder tempo, também não entraremos nessa dinâmica (Cf. Frei Beto, Mística e espiritualidade, p. 126).
Ao falar sobre a importância da oração para a nossa santidade, o papa Francisco destaca a súplica como expressão do coração que confia em Deus e sabe que sozinho não consegue. Ela manifesta o amor a Deus, mas também é expressão do amor ao próximo. Na nossa oração devemos apresentar a vida dos outros, suas angústias mais inquietantes e os seus melhores sonhos (Cf. Gaudete et Exsultate, n. 154). A parábola deste domingo é um convite a ser perseverante na oração, mas também um chamado a confiar na justiça divina aos que clamam confiantes. Ela questiona a qualidade da nossa oração, do que pedimos a Deus. Será que é um grito que se eleva aos céus pedindo justiça para os pobres? Ou um elenco com os nossos próprios desejos egoístas de bem-estar material e segurança humana? Na nossa oração somos sensíveis às dores e sofrimentos dos mais pobres, ou os ignoramos? Como a viúva, gritemos confiantes a Deus que faça justiça a todos os injustiçados do mundo.
+Dom Jeová Elias
Bispo Diocesano