Continuamos acompanhando Jesus na sua longa viagem a Jerusalém, na metade do caminho. Ao longo da caminhada Jesus é seguido por muitas pessoas, faz as paradas necessárias, ensina, acolhe, realiza sinais, apresenta as condições para o seu seguimento, permite que os pecadores se aproximem dele para escutá-lo. O capítulo 15, proclamado neste domingo, é o coração do Evangelho de Lucas. Ele contém as três parábolas da misericórdia: da ovelha perdida e reencontrada, da moeda perdida e encontrada e a do filho perdido e reencontrado, mais conhecida como parábola do “filho pródigo”. Um animal entre cem, uma moeda entre dez e um filho entre dois. O texto é introduzido com a constatação da crítica dos fariseus e mestres da Lei contra Jesus, porque acolhe os publicanos e pecadores que se aproximam para escutá-lo e faz refeição com eles (vv. 1-2), algo inadmissível para aqueles que se consideravam perfeitos.
Das três parábolas, duas são exclusivas de Lucas. A da ovelha perdida e re-encontrada também é narrada por São Mateus, mas com outra perspectiva (Cf. Mt 18,12-14). A parábola do “filho pródigo”, ápice das três narrativas, é um dos textos mais conhecidos dos Evangelhos. Muitos livros foram escritos, muitas telas pintadas, muitas peças encenadas, muitas canções foram compostas retratando-a. Nas três parábolas sobressai, como um refrão, a alegria pela recuperação daquilo que se tinha perdido e a festa com os amigos para celebrar o retorno.
A parábola da ovelha perdida parece trazer uma preocupação desproporcional do dono ao abandonar as noventa e nove ovelhas para buscar apenas uma. Também sua alegria com o simples fato de achar uma ovelha e trazê-la de volta. Esses aparentes exageros mostram a essência da parábola: a preocupação de Deus com cada pessoa que tem valor inestimável aos seus olhos. O gesto de colocar a ovelha nos ombros simboliza a solicitude e o cuidado amoroso de Deus por quem rompeu a comunhão com Ele. Neste sofrido tempo trazemos feridas profundas e necessitamos muito experimentar a misericórdia divina: numa mão estendida a nos levantar, num abraço que nos acolha e perdoe, enchendo-nos de amor e recolocando-nos nos trilhos (Cf. Papa Francisco, O nome de Deus é misericórdia, p. 46).
Na segunda parábola, da moeda perdida, também se reafirma a misericórdia divina na imagem da mulher que se empenha para encontrar a moedinha extraviada e faz festa com as amigas celebrando o seu êxito, símbolo da alegria de Deus com o pecador que retorna à sua amizade.
A terceira parábola, conhecida como do “filho pródigo”, é comovente e nos insere no drama relatado por Jesus, em que nos identificamos com algum dos personagens envolvidos. Parece uma peça teatral envolvendo uma família, com suas dores e esperanças. Destacam-se três principais personagens: o pai, protagonista da narrativa, e seus dois filhos.
Lucas narra que um homem tinha dois filhos. O filho mais novo solicita ao pai a parte da herança que lhe cabe e o pai dividiu os bens entre eles (v. 12). Tal pedido continha enorme crueldade: o desejo da morte do pai, pois ninguém recebia a herança enquanto o pai estivesse vivo. O filho não somente quer a herança, mas o direito de dispor dela como lhe aprouver. Ele rompe o vínculo filial, escolhe a orfandade, mas sofrerá as consequências da sua escolha.
De posse dos bens concedidos generosamente pelo pai, o filho parte para uma região longínqua, rompendo totalmente os vínculos familiares e cometendo outro ato de crueldade e de traição aos valores familiares e comunitários. Longe dos cuidados paternos, esbanja os bens numa vida desenfreada. Depois de dilapidá-los, começa a passar necessidades. Consegue um trabalho para cuidar de porcos, cúmulo da humilhação para um judeu. Sofre a fome e deseja comer o alimento dos porcos (vv. 15-16). Depois de atingir o fundo do poço, cai em si e deseja voltar, não porque esteja arrependido, mas por padecer a dor da fome e saber que os empregados do seu pai têm pão com fartura. Mesmo que seja sincera a sua confissão, é interesseira.
A partida do filho foi um terrível sofrimento para o pai, difícil de descrever. Somente quem tem um filho desaparecido, perdido no mundo sabe o que significa. Mas a esperança nunca morreu no coração do pai: cada dia ele vislumbrava o caminho, ansioso por encontrar o filho querido. O amor nunca desiste do amado! Lucas diz que o pai o avistou ainda longe e sentiu compaixão, sentimento atribuído nos Evangelhos somente a Jesus, o bom samaritano. Correu ao encontro dele, abraçou-o e o cobriu de beijos (v. 20). Ele saíra bem alimentado e saudável, agora volta humilhado e sofrido. O pai reconhece naquele jovem esfarrapado o seu filho querido: quem ama não esquece o rosto amado. Não permite que pronuncie o discurso pensado, nem se preocupa que esteja sujo e fedido: dá-lhe um abraço e cobre-o de beijos. Que alegria reencontrá-lo! O pai faz festa! A misericórdia restaura tudo. O pai devolve a dignidade originária na melhor túnica presenteada para o filho vestir; a filiação, simbolizada no anel; e a liberdade, nas sandálias oferecidas. Foi uma verdadeira ressurreição: o filho estava morto e tornou a viver (vv. 24 e 32b);
O filho mais velho, até então ausente, que parece bonzinho e trabalhador, mostra a sua verdadeira face ao se recusar a acolher o irmão e frustrar a alegria do pai. Ele não se vê como filho, mas como servo que tem direito a remuneração pelo trabalho realizado. Além disso, acusa indevidamente o irmão de ter dilapidado os bens do seu pai com prostitutas (v. 30). O pai, que não deixara o irmão mais jovem proferir o seu discurso, permite que o mais velho desabafe seu descontentamento. Este também é tratado com bondade. A misericórdia de Deus abraça a todos. Ele representa os fariseus e mestres da Lei do início desta narrativa.
É inevitável não se identificar com algum dos personagens da parábola. Normalmente nos vemos no filho mais jovem que abandona o amor do pai e necessita reconciliar-se com ele. Alguns se veem no filho mais velho: duros de coração, incapazes de perdoar o irmão que errou. Mas somos convidados a ser como o pai: misericordiosos e acolhedores dos que erram (Cf. Lc 6,36), capazes de festejar o retorno deles. Devemos nos ver não somente naquele que é perdoado, mas também naquele que perdoa; não somente naquele que é bem-vindo, mas naquele que acolhe; não somente naquele que é tratado com compaixão, mas naquele que tem compaixão (Cf. Nouwen, Henri J. M., A volta do filho pródigo, p. 133).
A parábola não tem epílogo: termina na tentativa do pai de convencer o filho mais velho a participar da festa de acolhida do seu irmão “que estava morto e tornou a viver; estava perdido e foi encontrado” (v. 32b). Eu acrescentaria que o filho mais velho reconheceu sua intransigência, justificou-a pelo cansaço do trabalho, abraçou-se ao pai e ao irmão, tomou uma taça de vinho com eles e caiu na festa!
As três parábolas destacam a misericórdia divina com os seus filhos. Deus é misericórdia, nunca se cansa de perdoar. A palavra misericórdia significa abrir o coração ao miserável. “Misericórdia é atitude divina que abraça, é o doar-se de Deus que acolhe, que se dedica a perdoar. (…) É a carteira de identidade do nosso Deus” (Papa Francisco, O nome de Deus é misericórdia, p. 37).
Desejo que você experimente a infinita misericórdia divina que nos restaura e, diferente do irmão mais velho, também a graça de festejar o retorno de quem errou e busca reerguer-se. Que você seja sinal da misericórdia divina por onde passar.
+Dom Jeová Elias
Bispo Diocesano