Por: Dom Jeová Elias Ferreira
Neste dia 12 de outubro nos alegramos celebrando a solenidade da nossa padroeira, nossa mãe Aparecida. São mais de três séculos da aparição da pequena imagem que cativou o país com a sua ternura negra. Depois de dois anos sem poder celebrar com a presença mais expressiva dos fieis, retomamos, com todos os cuidados preventivos, a acolhida deles nas nossas igrejas e santuários. A mãe acolhe os filhos e renova a nossa esperança. É grande a emoção em poder novamente render a nossa veneração à mãe Aparecida. Levar até os seus santuários e templos a nossa gratidão e também apresentar-lhe os pedidos para curar nossa feridas, que são tantas neste tempo de pandemia.
Em 2017, a cidade de Aparecida sediou a V Conferência Geral do episcopado latino-americano e caribenho. O Santuário Nacional recebeu bispos provenientes de diversos países do nosso subcontinente, que ficaram impactados com a manifestação de carinho do nosso povo por sua padroeira. Os bispos que participaram dessa conferência viveram a beleza da devoção popular naquele lugar de peregrinação, com devotos provenientes de todo o Brasil. Isso teve repercussão na redação do documento conclusivo, o 2º que mais destacou a figura de nossa querida mãe Maria, perdendo somente para o Documento de Puebla.
O Documento de Aparecida restitui a visão da humanidade de Maria, que difere da visão tradicional, valorizando nela o aspecto do discipulado. Descreve-a na sua beleza humana, como discípula-missionária que se preocupa com a vida dos nossos povos. Entre outras qualidades que o Documento de Aparecida destaca na figura de Maria, apresento três: Maria como discípula, Maria como missionária e Maria como portadora de vida para os povos da América Latina.
Diz o Documento de Aparecida que Maria é uma perfeita discípula, é a realização mais completa do cristão, um modelo ou ícone para a existência cristã discipular dos homens e mulheres de hoje. Descreve Maria como uma mulher forte e livre, que avança na peregrinação da fé, que cresce na compreensão dos mistérios de Deus e que enfrenta, para seguir o projeto de Jesus, incompreensões, dores e sofrimentos, até entrar no mistério da vitória definitiva. Maria é a máxima realização da existência humana. Nela a palavra de Deus se faz a sua palavra e a sua palavra nasce da palavra de Deus. Ela, como discípula, é a mulher da escuta, da intimidade com a Palavra. A intimidade é tão profunda que ela chega a ser mãe da palavra encarnada. Aparecida a chama ainda de discípula mais perfeita do Senhor (DAp n. 266). Ela é a seguidora mais radical de Jesus Cristo.
A outra qualidade destacada pelo Documento é Maria como missionária. Ela é chamada de grande missionária que traz o Evangelho à nossa cultura latino-americana. Sua presença é marcante entre os nossos povos, que a sentem como mãe e como irmã. O evento de Guadalupe é comparado com um novo Pentecostes, que nos abre aos dons do Espírito. Em Guadalupe, Maria é dada como Padroeira da América Latina.
Por último, destaco a qualidade de Maria como portadora de vida para os nossos povos. Em Caná, ela se preocupa com a vida, em oferecer o vinho novo. Ela tem os olhos postos em seus filhos, vê as suas necessidades e ajuda a manter vivas as atitudes de atenção, de serviço, de entrega, de gratuidade, que devem distinguir os discípulos de seu Filho. Ela oferece uma pedagogia para que os pobres se sintam, em cada comunidade, como em sua casa. Ela ajuda a criar comunhão, educa para um estilo de vida compartilhado e solidário em que cada irmão seja acolhido, especialmente o pobre e necessitado. Ela é um enriquecimento para a dimensão materna e acolhedora da nossa Igreja.
Concluo esta reflexão com a belíssima oração inspirada no cântico do magnificat, composta pelo querido e saudoso Dom Hélder Câmara, dirigida a Nossa Senhora da Libertação:
“Maria, Mãe de Cristo e Mãe da Igreja, em nossa missão evangelizadora que nos cabe continuar, alargar e aprimorar, dirigimo-nos a ti; mas, de modo especial, pensamos em ti pelo modo perfeito de Ação de Graças que é o hino que cantaste quando tua prima Isabel, mãe de João Batista, a proclamou a mais feliz entre as mulheres. Não paraste em tua felicidade: pensaste na humanidade inteira, pensaste em todos, mas assumiste uma clara opção pelos pobres, como o teu divino Filho faria depois. O que há em ti, nas tuas palavras, em tua voz, que anuncias no magnificat, a deposição dos poderosos e a elevação dos humildes, a saciedade dos que têm fome e o esvaziamento dos ricos e ninguém ousa julgar-te subversiva ou olhar-te com suspeição? Empresta-nos tua voz, canta conosco, pede ao teu Filho que em todos nós e em nossa Igreja se realizem plenamente os planos do Pai”.
Dom Jeová Elias Ferreira
Bispo de Goiás