Com as três parábolas deste domingo concluímos a série das sete parábolas sobre o Reino de Deus. Ao longo do capítulo 13 de Mateus Jesus fala em parábolas, usando imagens sugestivas e de simples compreensão, para explicar o valor e a beleza do Reino de Deus. O conceito de Reino é emprestado da sociologia política e significa, neste sentido, uma porção governada por um monarca. Porém, aplicado a Deus, deve ser compreendido de modo diferente: Deus não é um monarca que impõe sua vontade, que explora as pessoas, mas propõe valores que promovem a beleza da vida humana. Também seu Filho Jesus não foi um rei temporal que dominou os outros, mas um servo que pregou o amor e sofreu as consequências da sua ousadia profética: a morte de cruz. O Reino de Deus tem início aqui, mas se plenifica na eternidade. Não pode ser pensado somente para o futuro. Traz sempre a marca do amor.
Mateus escreveu seu texto por volta dos anos oitenta, muitos anos após a morte de Jesus, quando já havia arrefecido o entusiasmo inicial de alguns cristãos. Também em um período marcado por perseguições aos seguidores de Jesus. Era preciso dar uma injeção de ânimo para renovar o compromisso com Cristo e mostrar a beleza do Reino de Deus. As parábolas do capítulo 13 devem ser entendidas nesse contexto.
Hoje temos três parábolas exclusivas do evangelista Mateus: a do tesouro escondido no campo (v. 44), a da pérola (v. 46) e a parábola da rede lançada ao mar (vv. 47-48).
As duas primeiras parábolas, do tesouro e da pérola, falam da alegria de quem encontra um tesouro e uma pérola preciosa e que é capaz de se desfazer de tudo para ter o tesouro e para adquirir a pérola preciosa. Elas mostram o absoluto do Reino de Deus. Sugerem que o Reino proposto por Jesus, com a marca do amor, da fraternidade, da paz, do perdão, da partilha, é um tesouro, ou uma pérola preciosa que devemos abraçar acima de qualquer coisa. Há no coração de cada ser humano um desejo inato de felicidade. Todos queremos ser felizes. Sonhamos e nos empenhamos para isto, embora errando, algumas vezes, o alvo do nosso esforço. O texto de hoje apresenta esse desejo e a alegria de quem encontra os preciosos objetos sonhados. As duas parábolas mostram o esforço de alguém para comprar o terreno do tesouro ou para adquirir a pérola preciosa se desfazendo de todos os bens para comprá-los. Em relação ao Reino de Deus, a comparação tem limites: o Reino é dom gratuito, ninguém pode comprá-lo, não é de inciativa humana. Ele foi oferecido gratuitamente por Jesus, é um dom que recebemos. Nós fomos encontrados por Ele, mas devemos torná-lo absoluto.
Os apóstolos entenderam o valor do Reino. Ao serem encontrados por Jesus, deixaram tudo e o seguiram. Também os santos vivenciaram a lição das duas parábolas. Santo Agostinho, depois de buscar e não encontrar a felicidade em lugares errados, confessa o seu arrependimento pelo tempo perdido: “Senhor fizeste-nos para ti e o nosso coração está inquieto enquanto não repousar em ti”. Além dele, também São Francisco, embora sendo rico, não encontra nas riquezas a felicidade almejada. Ele se desfaz de tudo para encontrar a felicidade no Cristo presente nos pobres, nos leprosos, na beleza da natureza. Até mesmo a sua roupa deixou aos pés do seu pai. Outro exemplo é São Charles de Foucauld, um militar da aristocracia francesa, com acesso a diversos prazeres humanos, com dinheiro, mas inquieto, sedento de felicidade, que não encontrara nos prazeres temporais e efêmeros. Ao ser encontrado por Jesus, afirma que sua vida só teria sentido se fosse traduzida no serviço, na busca do penúltimo lugar, pois o último já pertencia a Jesus e ninguém poderia tirá-lo. Ele descobriu que a centralidade da vida de todo cristão é o absoluto de Deus. “Quando descobri que Deus existia, descobri também que não poderia viver senão só para ele”[1]. Conforme o Documento de Aparecida, “conhecer a Jesus é o melhor presente que qualquer pessoa pode receber; tê-lo encontrado foi o melhor que ocorreu em nossas vidas, e fazê-lo conhecido com nossa palavra e obras é nossa alegria” (DAp n. 29).
O Reino de Deus é uma realidade presente na nossa história, embora com suas contradições. Constatamos coisas boas, e outras ruins. A terceira parábola, da rede lançada ao mar (vv. 47-51) expressa isso. O Reino é como uma rede lançado ao mar que apanha peixes de todos os tipos. Os pescadores, depois de recolherem a rede, fazem a seleção descartando aqueles que não prestam (v. 48). No Reino de Deus convivem os valores e contra valores. Mas Deus é paciente, espera até o último momento. Ele não tem pressa em condenar e destruir. Não deseja a morte do pecador, que criou com tanto amor. Por isso concede o tempo suficiente para que decidamos pela verdadeira felicidade. Ao fazer referência ao juízo final, Mateus pretende convidar os irmãos a decidirem resolutamente pelos valores do Reino e colocarem em prática o ensinamento de Jesus.
Mateus conclui sua narrativa do capítulo 13, contendo as 7 parábolas do Reino, interrogando se seus ouvintes compreenderam o que Jesus dissera (v. 51), e obtendo resposta positiva. Os discípulos compreendem, isto é, assumem aquele ensinamento e buscam viver e anunciar os valores do Reino de Justiça inaugurado por Jesus e continuado por eles, que prolongam a prática do Mestre. Eles são comparados com o pai de família que retira do seu tesouro coisas novas e velhas (v. 52). Os discípulos do Mestre Jesus devem combinar o novo e o velho; devem ensinar a novidade trazida por Jesus, plenificando o primeiro testamento.
+Dom Jeová Elias
Bispo Diocesano
[1] Damian, Edson T. Espiritualidade para o nosso tempo. Paulinas, p. 13.