Celebramos hoje o segundo domingo da Páscoa, o domingo da divina misericórdia, concluindo o longo dia da ressurreição de Jesus. Dada a sua importância, o dia da Páscoa não dura somente 24 horas, mas 8 dias, para podermos estender a nossa alegria, festejando o mistério central da nossa fé. Porque Jesus ressuscitou, alegremos o nosso coração, entoemos com júbilo o Aleluia! A nossa vida não se restringe ao temporal, vislumbra a eternidade.
O Evangelho deste domingo apresenta a primeira aparição de Jesus ressuscitado ao grupo dos discípulos reunidos. João contextualiza a cena: era o anoitecer do primeiro dia. Era o domingo da ressureição de Jesus. Para o povo judeu já era outro dia, mas para o nosso evangelista ainda era o dia da ressureição, da vitória de Jesus sobre a morte, de um novo tempo. A menção do domingo recorda a celebração da Eucaristia na comunidade cristã do primeiro século. O contexto, portanto, é eucarístico. João narra que os discípulos estavam trancados por medo dos judeus. Eles presenciaram os tristes acontecimentos dos últimos dias e estavam aterrorizados. As portas trancadas simbolizam o medo que os assustava. Nesse ambiente, Jesus apresenta-se vivo. Seu corpo não está mais sujeito às leis da física, não há mais barreiras para Ele. As portas fechadas não são mais sinal de medo, elas foram rompidas pela força do amor daquele que venceu a morte. O ressuscitado carrega no seu corpo as marcas do amor, nas mãos e no lado feridos (v. 20). João narra mais outra aparição de Jesus, oito dias depois, também no domingo, em contexto parecido.
Na primeira aparição, sem a presença de Tomé, àquele grupo amedrontado Jesus concede a paz: “A paz esteja convosco” (v. 19). Essa saudação se repete na primeira aparição e também na segunda. O ressuscitado concede ao grupo medroso a plenitude dos dons messiânicos. A paz desejada não é um mero cumprimento cordial, mas a concessão de tudo o que há de melhor. É o primeiro dom concedido por Jesus ressuscitado. A reação dos discípulos é de uma profunda alegria, que ninguém poderá suprimir (Cf. Jo 16,22). Como eles precisavam dessa paz oferecida por Jesus!
João diz que, após as duas primeiras saudações concedendo a paz, Jesus sopra o Espírito sobre os apóstolos dizendo: “Recebei o Espírito Santo. A quem perdoardes os pecados, eles serão perdoados; a quem não os perdoardes, eles serão retidos” (v. 23). Para o evangelista João, diferente de Lucas nos Atos dos Apóstolos, a vinda do Espírito ocorre no mesmo dia da ressurreição, não cinquenta dias depois da Páscoa. O sopro de Jesus evoca também o primeiro sopro divino insuflando o hálito de vida na criação do homem (Cf. Gn 2,7). Jesus ressuscitado sopra o novo sopro de vida, da recriação, do Espírito que reanima a vida do novo ser humano. Os apóstolos, ao receberem esse sopro, deverão ser testemunhas do amor de Deus, que não enviou seu Filho para condenar o mundo (Cf. Jo 3,17), mas para perdoar. Embora o texto afirme que eles poderão também reter os pecados, a prática de jesus ensina a prodigalidade na oferta do perdão. Para João, o pecado é adesão à ordem injusta que condenou Jesus à morte. Infelizmente, há quem se feche totalmente ao projeto de Deus; esses permanecem em seus pecados (Cf. Jo 9,41).
Na primeira aparição, Tomé não se encontra no grupo, que lhe comunica o ocorrido: “Vimos o Senhor! “ (v. 25). A nossa fé se fundamenta no testemunho dos apóstolos: cremos naquilo que eles nos transmitiram. Por crerem no ressuscitado, eles foram capazes de sofrer o martírio. Mas Tomé não crê no testemunho dos colegas, precisa tocar nas chagas de jesus para acreditar. Isso mostra, perante a comunidade primitiva, que não basta ter presenciado a Paixão de Jesus, é preciso acolher a sua vitória sobre a morte. Os apóstolos não estão num plano superior aos que não presenciaram a Paixão do Senhor. Tomé não estava junto ao grupo que recebera o Espírito. Sua fé ainda é fraca, precisa de sinais, duvida do testemunho da comunidade, quer comprovar a notícia recebida com os seus próprios olhos.
João narra uma segunda aparição, oito dias depois, agora com a presença de Tomé no grupo dos discípulos. Novamente um domingo, uma referência ao dia que celebravam a Eucaristia. Para João, chega-se à fé no ressuscitado pela experiência de vida em comunidade dos que creem. Agora, integrado à comunidade, Tomé descobre que Jesus está vivo. Ele representa aqueles que fechados no seu próprio mundo, desconsideram o testemunho de fé da comunidade. Dos que pedem sinais particulares para si próprios. Tomé tem a oportunidade de tocar as chagas de Jesus, as marcas do seu amor por nós. O ressuscitado é o crucificado por amor à humanidade. Mas Tomé dá a volta por cima, faz a mais bela profissão de fé no ressuscitado: “Meu Senhor e meu Deus! ” (v. 28). Reconhece em Jesus o Senhor glorificado, possuindo o mesmo valor de Deus Pai. É a primeira vez, fora do prólogo de São João, que Jesus é chamado de Deus.
A cena do encontro de Jesus com Tomé é concluída com uma bem-aventurança, a única do evangelista João: “Bem-aventurados os que creram sem terem visto” (v. 29), aí estamos incluídos todos os que cremos na ressurreição de Jesus, e que também ressuscitaremos como Ele.
A presença do ressuscitado na vida dos discípulos os encoraja a romper as portas, a saírem de si e irem ao mundo testemunhando a vitória de Jesus. Como discípulos missionários, somos convidados a ser uma Igreja em saída, a ir às periferias geográficas e existenciais manifestando o amor de Deus. “A Igreja é chamada a ser sempre a casa aberta do Pai” (Evangelii Gaudium n. 46). Celebrar a Páscoa de Jesus Cristo é acolher a ação do ressuscitado que sopra a vida nova e dá um novo sentido à nossa história. É abrir os olhos e o coração para identificar a presença de Jesus ressuscitado na nossa caminhada. Mas, para isto, precisamos descobri-lo nos crucificados pelas diversas injustiças, especialmente nos famintos, como nos lembra a Campanha da Fraternidade deste ano. É superar a tentação, como diz o Papa Francisco, de ignorar as chagas do Senhor naqueles que sofrem. “Jesus quer que toquemos a miséria humana, que toquemos a carne sofredora dos outros” (Evangelii Gaudium n. 270). Na misericórdia de Jesus, as chagas humanas são ressuscitadas, inspiram a solidariedade e ajudam a derrubar os muros que fecham as pessoas em atitudes elitistas. Somos convidados a ir ao encontro das pessoas sedentas da misericórdia que Cristo oferece[1].
+Dom Jeová Elias
Bispo Diocesano
[1] Arzobispado de Santiago. “Visita Apostólica a Chile – Papa Francisco – Homilías y Discursos”, Santiago: Vicaría para la pastoral, 2018, 45.