Hoje o nosso coração vibra de alegria com a ressurreição de Jesus. O canto do Aleluia, silenciado ao longo da Quaresma, volta a ressoar: Jesus está vivo, venceu a morte, foi reabilitado pelo Pai! Esse fato é fundamental na nossa fé. Por isso, a Igreja estende esse dia por 8 dias, como um longo dia para nos alegrarmos com a vitória de Jesus sobre a morte e tudo que representa morte. Ademais, vivenciaremos esse tempo da ressurreição durante 50 dias, alimentando nossa esperança na superação de todas as situações de morte que teimam em nos afligir, no sonho de uma vida nova, apoiado na fé em Jesus ressuscitado. Nosso sonho ultrapassa a dimensão temporal, vislumbra o eterno.
A palavra Páscoa significa passagem. Tem origem na cultura agrária e pastoril dos povos primitivos, que celebravam com alegria a passagem do inverno para a primavera, quando a natureza se refazia verdejante. Era uma festa familiar, celebrada em vários povos. O povo hebreu, considerando sua experiência de escravidão no Egito, passou a dar à festa primaveril um novo significado: não mais passagem da natureza morta para o verde que brota, mas passagem da escravidão sofrida no Egito, para a liberdade em busca da terra prometida. Em Jesus Cristo, Páscoa é passagem da morte para a ressurreição gloriosa. É vitória da vida sobre a morte e sobre tudo o que representa morte. Na ressurreição de Jesus está a resposta de Deus ao porquê formulado por Ele ao ser crucificado: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” (Mc 15,34). Deus responde-lhe, ressuscitando-o dos mortos, devolvendo-lhe a vida.
O relato evangélico deste domingo apresenta a ida de Maria Madalena ao sepulcro, no primeiro dia da semana, o que evoca o início da criação, quando “as trevas cobriam o abismo” e Deus disse: “haja a luz” (Gn 1,1-2). Era o dia da nova criação. O texto destaca que era bem de madrugada (v. 1). Ainda estava escuro. As trevas, na perspectiva do evangelista João, representam a negação da vida, a rejeição a Jesus: “a luz veio ao mundo, mas os homens preferiram as trevas à luz” (Cf. Jo 3,19). No ressuscitado brilha a luz da nova criação.
Maria Madalena é símbolo da comunidade sofrida com a dor da morte, sem perspectiva de fé, que vê o túmulo vazio como o lugar do fracasso de Deus. Ela fala no plural, comprovando que representa a comunidade: “tiraram o Senhor do túmulo e não sabemos onde o colocaram” (v. 2). Parecia que a morte havia interrompido a vida definitivamente. Ao ver o túmulo vazio, Maria Madalena chega a uma conclusão lógica: “Tiraram o Senhor do túmulo e não sabemos onde o colocaram” (v. 2). A versão de que o corpo de Jesus teria sido roubado por seus discípulos, durante a noite, foi montada posteriormente pelos chefes dos sacerdotes, conforme Mateus, que subornaram os soldados para sustentarem tal tese (Cf. Mt 28,11-15).
O primeiro indicativo da ressurreição é exatamente um sinal negativo: a ausência do corpo, o túmulo vazio. A palavra túmulo é a que mais sobressai no texto: aparece 7 vezes nos 9 versículos. Representa a dor diante do aparente fracasso da morte. Contudo, o túmulo vazio, visto num primeiro momento como indício de violação, torna-se prenúncio de vitória sobre a morte. Os panos estão dobrados, não jogados, sinal de que não houve roubo do corpo de Jesus, pois os ladrões, com pressa, não teriam a preocupação em dobrar o sudário. Conclui-se que “o túmulo não é o lugar da morte, e sim do encontro do Senhor da vida com sua esposa, a comunidade” (Bortolini, roteiros homiléticos, p. 92). O túmulo está vazio não porque o corpo de Jesus fora roubado, mas porque Ele ressuscitou, venceu a morte e está vivo entre nós. Isto se confirma por suas aparições “às testemunhas que Deus havia escolhido” (At 10,41).
Destaca-se também, no texto deste domingo, o verbo correr: quatro menções. Madalena sai correndo ao encontro dos dois discípulos (v. 2), que também correm, mas aquele que Jesus amava correu mais rápido e chegou primeiro; depois chegou Pedro (vv. 4 e 6). Eles viram e creram, pois eram lentos para acreditar nas Escrituras. Também eles representam a comunidade que ainda não tinha assimilado a morte de Jesus. João não nomeia o discípulo que corre rápido ultrapassando Pedro, diz somente ser “o que Jesus amava” (v. 2). O que se sente amado tem mais vigor para correr ao encontro da pessoa que ama. Com certeza o discípulo amado é cada um de nós. Somos convidados a correr ao encontro do Senhor e a experimentar o seu amor.
A Páscoa de Jesus não deve ser vista apenas como um fato do passado, recordado com saudade nas belas celebrações litúrgicas; tampouco restringir-se à vida futura, na eternidade. Ela abre-nos à esperança de dias melhores no presente, e nos fortalece no empenho para que as trevas das injustiças não imperem e impeçam o desabrochar da potencialidade da vida concedida por Deus. No ressuscitado também somos vitoriosos. Celebrar a Páscoa é convite a passar de toda experiência de morte à vida. A ressurreição de Jesus nos convence de que Deus faz justiça às vítimas inocentes: faz triunfar o bem sobre o mal, a verdade sobre a mentira, o amor sobre o ódio. Também nos convence da beleza do ideal assumido por Ele na defesa dos mais sofridos. A vitória do crucificado Jesus Cristo é a vitória de todos os crucificados injustamente. Se Deus o ressuscitou, “é porque quer introduzir justiça diante de tanto abuso e crueldade que se comete no mundo. Como diz o Pe. Pagola, Deus não está do lado dos que crucificam, está com os crucificados. Só há uma maneira de imitá-lo: ficar sempre junto dos que sofrem, lutar sempre contra os que fazem sofrer” (Cf. Pagola, O Caminho aberto por Jesus – João, p. 241). A experiência de túmulo foi forte nas duas Páscoas anteriores, em vista da pandemia. Neste ano a esperança está se realizando, a sofrida apreensão está passando, graças a Deus e ao empenho da ciência que rapidamente desenvolveu vacinas eficazes. Precisa permanecer as lições da dor que acentuou ainda mais as injustiças sociais. Essa passagem deve tornar-nos melhores.
Faço votos de que a esperança se renove no seu coração, em meio à tentação de desesperançar. Que a ressurreição de Jesus traga novo vigor ao seu coração. Conforme o Papa Francisco, nunca devemos fugir da ressurreição de Jesus e nos darmos por mortos, haja o que houver, pois nada pode mais do que a vida dele, que nos impele adiante (Cf. Evangelii Gaudium n. 3).
+Dom Jeová Elias
Bispo Diocesano