Iniciamos, neste Domingo de Ramos e da Paixão do Senhor, a Semana Santa. Há 3 propostas para celebrar a entrada solene de Jesus em Jerusalém, que comemoramos neste domingo: a primeira, com início num local fora da igreja, que consta da bênção dos ramos, da proclamação do Evangelho e da procissão até a igreja, com a manifestação pública da nossa fé em Jesus Cristo e da nossa gratidão por sua vida doada por amor à humanidade sofredora; a segunda, com a bênção dos ramos na entrada da igreja, a proclamação do Evangelho e a procissão até ao altar; e a terceira, com a entrada simples, como de costume. Os ramos verdes usados neste dia são sinais de vida e de vitória, com os quais reverenciamos a Cristo, nosso salvador. A procissão que realizamos não é encenação de fatos do passado, ou teatro, mas a manifestação pública da nossa fé em Jesus Cristo e do nosso amor por Ele.
A celebração deste domingo apresenta a profunda contradição humana: no primeiro momento, recordamos a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, onde os discípulos gritavam com alegria: “Hosana ao Filho de Davi! Bendito o que vem em nome do Senhor! Hosana no mais alto dos céus” (Mt 21,9). No segundo momento, ao relatar a paixão, Mateus mostra uma multidão manipulada pelas lideranças religiosas judaicas gritando: “crucifica-o, crucifica-o!” (Mt 27,22-23), optando pela libertação de um homicida ao invés de Jesus (v. 21).
Pretendendo não alongar muito a reflexão, usarei a versão abreviada de Mateus para a narrativa da paixão, que inicia com Pilatos interrogando se Jesus é o rei dos judeus e obtendo a resposta dele: “é como dizes” (v. 11). Esta é a única vez que Jesus assume esse título, mas com as devidas ressalvas. Claro que a acusação é improcedente. Conforme a Bíblia do Peregrino, “Pilatos tem de zelar pelos interesses de Roma na região. Segundo o costume romano, interroga diretamente o réu. Sua pergunta está entre o terreno político e o religioso, e admite diversas interpretações: desde sonhos religiosos peculiares até a rebelião formal contra o império. A sequência mostra que Pilatos não o toma no sentido mais grave. Também é um tanto ambígua a resposta de Jesus: é exatamente como tu dizes, isso é o que tu dizes; um sim, com reservas. O diálogo termina aí” (Ver nota em Mt 27,11-26).
Mateus menciona, nas palavras de Pilatos, que os sumos sacerdotes e os anciãos faziam muitas acusações contra Jesus, mas não as especifica. Essas duas categorias de pessoas representam o poder religioso e o poder econômico, que pressionam o poder político a condenar Jesus à morte. Os que apresentam falsas acusações contra Jesus são pessoas religiosas, que se julgam tementes a Deus. A religião que defendem não está a serviço da vida dos mais pobres, mas da manutenção da injustiça que os penaliza. Quem propõe um modelo diferente, deve ser calado. Mateus destaca que Pilatos tinha ciência de que eles denunciavam Jesus e desejavam sua morte por inveja (v. 18). Jesus permanece em silêncio diante das interrogações de Pilatos, deixando-o muito impressionado (v. 14), pois era incomum um réu, correndo o risco de ser condenado à morte, não se defender.
Há alguns pormenores no texto que são exclusivos de Mateus: o sonho da mulher de Pilatos, que envia-lhe um recado para que não se envolva com aquele justo, pois sofrera muito à noite por causa dele (v. 19); Pilatos que lava as mãos, como expressão da inocência de Jesus e da isenção de responsabilidade na sua condenação, fazendo supor que a culpa pela morte de Jesus não é dos romanos, mas dos judeus, não somente das suas lideranças. Os pagãos reconhecem a inocência de Jesus, mas seu povo rejeita-o, ao afirmar: “que o sangue dele caia sobre nós e sobre os nossos filhos” (v. 25), assumindo toda responsabilidade pela condenação de Jesus. Eles eram obrigados a tomar uma decisão no âmbito religioso: ou reconheciam que Jesus era o Messias, ou pediam sua morte como blasfemador. São também exclusivos de Mateus os textos sobre os fenômenos que ocorrem no momento da morte de Jesus: o rasgar-se da cortina do templo, o terremoto da terra e a ressurreição dos santos, prefigurando a libertação da morte, fruto do sacrifício redentor de Jesus Cristo. Esses sinais mostram que a morte de Jesus não foi um fracasso, mas trouxe libertação para o seu povo.
Para Mateus, Pilatos tenta libertar Jesus ao apelar para o indulto da Páscoa, que dava o direito de libertar um prisioneiro. Ele imaginava que as pessoas iriam preferir a liberdade de Jesus à de Barrabás, mas enganou-se: manipuladas por seus líderes religiosos, pediram a liberdade de um criminoso perigoso e a condenação de um inocente. Pilatos lava as mãos dizendo não ter responsabilidade por aquela condenação. Mas ele poderia não ser conivente com tamanha injustiça. As acusações são improcedentes, não merecem a resposta de Jesus, sequer.
Após a condenação, Pilatos ordena flagelar Jesus e o entrega para ser crucificado. Ele é submetido a várias humilhações: retiram suas roupas e o vestem com um manto vermelho, colocam uma coroa de espinhos na sua cabeça e uma vara na mão, como gozação. Os soldados cospem nele, batem na sua cabeça. Além dos soldados, também as pessoas que passavam o insultavam (vv. 39-40). Os sumos sacerdotes, os mestres da lei e os anciãos igualmente zombavam dele (vv. 41-43). Mateus afirma que até mesmo os dois ladrões o insultavam. Era muita humilhação para um inocente que nenhum mal fez, que somente amou e desejou que o mundo vivesse o amor.
Mateus pinta com cores tristes a agonia final e a morte de Jesus. Diz que desde o meio-dia até as três horas da tarde houve escuridão sobre toda a terra (v. 45), quando Jesus grita uma primeira vez: “Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste? ” Nesse grito ressoa a dor de tantos inocentes condenados injustamente, que se sentem fragilizados e abandonados por todos. Mateus narra mais um grito final de Jesus, quando entrega sua vida nas mãos de Deus. É muita dor, é muito sofrimento, é muita humilhação. Uma vida doada por amor, que recebe desamor e morte. Uma vida doada pela vida dos outros, que recebe ingratidão. Os primeiros que reconhecem a filiação divina de Jesus, após sua morte, não são religiosos judeus, mas um oficial e alguns soldados romanos: “Ele era mesmo Filho de Deus” (v. 54).
Como o inocente Jesus, também uma multidão, no nosso país, é condenada pela ganância humana e pela irresponsabilidade das autoridades públicas, a morrer de fome. No grito sofrido de Jesus ecoa o grito dos famintos, que não têm força para gritar. A fome além de uma tragédia, é também vergonha para a humanidade, conforme o papa Francisco (Texto-base da CF 2023 n.6). Neste domingo de Ramos a Igreja no Brasil realiza a Coleta Nacional da Solidariedade, como gesto concreto da Campanha da Fraternidade, cujo tema é: “Fraternidade e Fome” e o lema: “Dai-lhes vós mesmos de comer”. A maior parte do valor oferecido permanece na própria Diocese e um percentual é destinado ao fundo nacional, administrado pelos nossos bispos. Os valores oferecidos permitem passar da reflexão para os atos em favor de projetos socais que promovam a erradicação da fome. Faça sua oferta com generosidade e alegria, sabendo que ela terá uma importante destinação.
Desejo que você e sua família vivenciem profundamente os mistérios da paixão, morte e ressurreição de Jesus que celebraremos ao longo desta semana.
+Dom Jeová Elias
Bispo Diocesano