A partir deste IV domingo do Tempo Comum acompanharemos o “Sermão da Montanha” conforme o evangelista Mateus, contendo alguns discursos de Jesus sobre o novo Reino por Ele inaugurado, que já pertence aos pobres (v. 40) e aos perseguidos por causa da justiça (v. 10). Durante os próximos três domingos escutaremos parte desses trechos.
Hoje Mateus apresenta o início do “Sermão da Montanha” com o texto das bem-aventuranças. Começa constatando a presença de multidões e destacando três verbos: ver, subir e sentar. Diz: “vendo Jesus as multidões, subiu ao monte e sentou-se” (v. 1). A palavra de Jesus dirige-se às multidões provenientes de muitos lugares, compostas por pessoas sofridas que a Ele acorrem na esperança de vida. Sua palavra não tem fronteiras, destina-se a todos os povos, de todos os tempos e lugares. É uma palavra de vida. Jesus vê essas pessoas, não é indiferente diante da dor que carregam. Para vê-las melhor, conforme Mateus, diferente da versão de Lucas, que situa o sermão na planície, Jesus sobe à montanha, que simboliza o lugar onde se encontra Deus e também recorda o Monte Sinai, local onde Deus fez a Aliança com o seu povo, tendo Moisés como mediador. Jesus irá promulgar uma nova Aliança com as pessoas sofridas, mostrando que Deus é solidário com os seus sofrimentos e lhes confia o Reino. Ele sentou-se, gesto usado pelos mestres para ensinar. Jesus tem muito a ensinar às multidões, um ensino cheio de esperança, que traz vida. Essas pessoas marcadas por tantas adversidades são bem-aventuradas porque podem contar com a especial atenção de Deus.
O estilo das bem-aventuranças é frequente na bíblia, quer nos anúncios proféticos de alegria vindoura (Cf. Is 30,18;32-20; Dn 12,12), ou nos agradecimentos pelas alegrias vividas (Sl 32,1-2;33,12;84,5-6;13). São sempre alegrias oferecidas pela bondade divina. As pessoas bem-aventuradas são aquelas que se encontram em situação de vulnerabilidade, mas que têm o coração aberto à graça divina. A palavra bem-aventurado, ou feliz, torna-se sinônimo de santo, porque expressa a verdadeira felicidade da pessoa fiel a Deus, que, movida por sua palavra, doa-se por amor. As bem-aventuranças são um caminho para alcançar a felicidade hoje e na eternidade. O papa Francisco diz que as bem-aventuranças são a carteira de identidade do cristão, o roteiro para viver a santidade (Gaudete et Exsultate, n. 63), embora alguns pensem que seja o caminho da rigorosa obediência aos mandamentos da Lei de Deus.
São Mateus apresenta nove bem-aventuranças, enquanto São Lucas apresenta somente quatro e acrescenta as advertências aos que não as vivem (Cf. Lc 6,17-26). Das bem-aventuranças apresentadas por São Mateus, conforme o Pe. Bortolini, duas são a síntese de todas, as demais são explicitações delas: a primeira, “bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos Céus (v. 3); e a oitava, “bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino dos céus” (v. 10). Essas duas constatam que o Reino dos Céus pertence aos pobres e aos perseguidos por causa da justiça, porque assim o Pai o quis (Cf. Mt 11,25-26). As outras são promessas de amanhã, são esperança para o futuro, embora não somente no além. Essas duas são constatações: o Reino de Deus pertence aos pobres, o Reino de Deus pertence àqueles que buscam construir a justiça e, por isso, são incompreendidos, são perseguidos (Cf. Roteiros Homiléticos, Anos A, B, C, Festas e Solenidades, p. 139).
Os pobres são a manifestação do Reino de Deus para nós, são o Evangelho vivo. O papa Francisco afirma que a felicidade pertence aos pobres, é uma marca desses que, mesmo desprovidos de riquezas materiais, têm a confiança em Deus e têm uma vida alegre. Ele diz que as alegrias mais belas e mais espontâneas que viu ao longo da sua vida são as alegrias das pessoas muito pobres, que têm pouco a que se agarrar (Cf. EG n. 7). É inconcebível para muitas pessoas que alguém possa ser feliz sem ter os bens materiais. Jesus divergia do conceito de felicidade no seu tempo, que se restringia aos homens adultos, ricos, saudáveis, observantes da Torá, com filhos e proprietários de terras fecundas (Cf. Pagola, O Caminho aberto por Jesus – Mateus, p. 63). Certamente a miséria não é da vontade divina, pois contradiz a dignidade da vida concedida pelo Criador. Mas a felicidade não se encontra no acúmulo dos bens. Os pobres em espirito são comparados ao peixinho no mar, que dispõe de toda água, mas não a retém para si. Em contrapartida, o papa também constata a realidade que muitas pessoas no mundo experimentam: de uma tristeza individualista, de uma vida fechada nos próprios interesses, sem espaço para os outros, onde os pobres são descartados, onde não se escuta a voz de Deus. Um risco presente também na vida de muitos crentes.
As quatro primeiras bem-aventuranças estão inter-relacionadas e são extensão da primeira, que proclama felizes os pobres em espírito. Eles são afligidos, vítimas das injustiças, mas serão consolados; eles são mansos, subjugados pelos prepotentes e violentos, e recusam usar esses métodos, mas possuirão a terra; eles têm fome e sede de justiça, como sendo seu alimento diário, mas serão saciados.
As outras bem-aventuranças estão orientadas ao comportamento dos cristãos. Eles devem ser: misericordiosos, não ficar indiferentes diante das pessoas que sofrem, estender-lhes a mão e ajudá-las; puros de coração, com conduta íntegra, não agir como os que se apropriam da vida dos outros, não trapacear; promotores da paz, recusando o uso da violência e da lei do mais forte como norma nas relações humanas; perseguidos por causa da justiça, que sofrem por lutarem pela instauração do Reino de Deus e por isso são humilhados, agredidos, marginalizados por parte daqueles que praticam a injustiça, fomentam a opressão e constroem a morte: deles é o Reino dos Céus[1].
Na última bem-aventurança, Mateus exorta os membros da comunidade que sofrem perseguições por causa de Jesus a resistirem. Nessa última está aplicada também a oitava que proclama bem-aventurados os perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino dos Céus (v. 10).
As bem-aventuranças anunciam o amor de Deus que não abandona as pessoas que sofrem. São mensagem de esperança para nós nos momentos de dores, perseguições, injustiças… a libertação virá, a situação haverá de mudar um dia. Alcançaremos a felicidade e a vida plena, asseguradas por Jesus.
+Dom Jeová Elias
Bispo Diocesano
[1] https://www.dehonianos.org/portal/04o-domingo-do-tempo-comum-ano-a0/ (Consultada dia 28/12/2022).