Neste terceiro domingo do Tempo Comum, iniciamos a leitura semicontínua do Evangelho de Mateus. Ao longo de 34 semanas, percorreremos os principais textos desse evangelista. Sua preocupação central é a justiça do Reino de Deus. Ele apresenta Jesus como o mestre da justiça que convida os seus discípulos a superarem a justiça dos doutores da Lei e dos fariseus, para poderem entrar no Reino do Céu (Cf. Mt 5,20).
Mateus inicia o seu texto informando que Jesus voltou à Galileia, ao saber da prisão de João Batista; saiu de Nazaré e foi residir em Cafarnaum, às margens do mar da Galileia (vv. 12-13), em sintonia com a profecia de Isaías, como uma luz a iluminar os que viviam na região escura da morte (Cf. Is 8,23-9,1). A partir de então, conforme Mateus, Jesus começou a pregar a necessidade de conversão, pois o Reino de Deus está próximo (v. 17).
Jesus foi um periférico, viveu a maior parte da sua vida na vila de Nazaré, longe das grandes cidades. Mateus nos informa, no Evangelho deste domingo, que Ele deixou Nazaré e foi morar em Cafarnaum, palavra que significa “aldeia de Naum”, provavelmente em referência a um proprietário daquelas terras. Naum significa compassivo; assim, a palavra Cafarnaum poderia também ser entendida como “vila da compaixão”. Era um povoado importante a nordeste do lago da Galileia, na região conhecida como via maris, ou “caminho do mar”, com uma localização privilegiada na rota comercial de então, ligando importantes cidades e países. Conforme o Pe. Pagola, Jesus não se aventurou pelas rotas do Império. Seus pés caminharam somente nas terras da Galileia e nos caminhos para Jerusalém (Jesus – Aproximação Histórica, p. 31). Em Cafarnaum, que tive a graça de visitar duas vezes, encontra-se atualmente uma igreja em formato de barca, no local que teria sido a casa da sogra de Pedro. O guia que nos acompanhou, na primeira visita, comparava Cafarnaum a uma emissora de televisão na vida de Jesus, porque a pregação ali realizada se espalhava por diversas regiões, manifestando o universalismo da salvação trazida por Ele. Para Mateus, o primeiro anúncio libertador de Jesus ecoa nessa região, e não se restringe aos judeus, mas também aos pagãos.
O Evangelho deste domingo tem duas partes distintas, mas interligadas. Na primeira parte, Mateus informa que Jesus muda de domicílio, explica o sentido dessa mudança em cumprimento da profecia de Isaías (vv. 14-15) e diz que Ele inicia sua pregação convidando à conversão para acolher o Reino de Deus que se manifesta, centro do seu ensinamento.
Na segunda parte, Mateus narra o chamado dos primeiros apóstolos, e apresenta a pregação itinerante de Jesus por toda Galileia. O evangelista destaca Jesus que caminha pregando o Evangelho do Reino e curando todo tipo de enfermidade do povo (v. 23). Jesus não fica parado, sempre caminha ao encontro das pessoas, especialmente daquelas mais sofridas. As palavras e os gestos de Jesus são a comprovação de que o Reino de Deus chegou na sua pessoa. O desencanto à época com os reis temporais trazia o desejo de que o próprio Deus reinasse sobre o povo. Reino marcado pela justiça, pela misericórdia, pelo cuidado com os mais pobres e marginalizados, pela abundância e fecundidade, pela paz sem fim. Jesus tem consciência de que esse anseio se realiza na sua pessoa[1].
Para anunciar o Reino, Jesus convida os primeiros apóstolos: Pedro e seu irmão André, Tiago e seu irmão João. Os quatro eram pescadores. Eles imediatamente deixaram as redes, o barco, o pai e seguiram Jesus (vv. 18-23). Eles são pescadores de peixes, habituados ao desafio do mar, que na cultura judaica representa forças hostis, risco de morte, oposição à felicidade. Agora terão a missão de pescar homens, isto é, empenhar-se na tarefa de libertar os homens de toda escravidão e experiência que levam à morte, e levá-los à plena realização.
O chamado de Jesus contém uma grande novidade. À época, eram os discípulos que escolhiam os seus mestres. Mateus diz que é Jesus quem escolhe os seus discípulos. Enquanto os mestres da Lei convidavam os seus discípulos ao estudo dos escritos, Jesus convida os seus discípulos a se vincularem à sua pessoa, a serem anunciadores do Reino de Deus, a serem não simplesmente alunos que aprendem teorias, mas amigos que partilham a vida e o mesmo projeto de vida. Mateus diz que aqueles primeiros chamados por Jesus deixaram tudo imediatamente e o seguiram. Jesus os escolheu para que estivessem com Ele e para enviá-los em missão (Cf. DAp n. 131). Conforme nos lembra o Documento de Aparecida, “ao chamar os seus para que o sigam, Jesus lhes dá uma missão muito precisa: anunciar o evangelho do Reino a todas as nações. Por isso, todo discípulo é missionário, pois Jesus o faz partícipe de sua missão, ao mesmo tempo que o vincula a Ele como amigo e irmão” (n. 144). Diz ainda o Documento de Aparecida que “discipulado e missão são como duas faces da mesma moeda: quando o discípulo está apaixonado por Cristo, não pode deixar de anunciar ao mundo que só Ele nos salva” (n. 146). A missão comporta a preocupação com a pessoa humana integral, corpo e alma, “que inclui a opção preferencial pelos pobres, a promoção humana integral e a autêntica libertação cristã” (DAp n. 146).
Estamos vivenciando, no Brasil, o 4º ano vocacional, com o tema: “Vocação: graça e missão”; e o lema: “Corações ardentes, pés a caminho”. A vocação é graça divina. É Deus que chama porque ama. Cada um de nós é chamado por Deus. A resposta é pessoal, mas envolve a comunidade. Os quatro primeiros discípulos de Jesus, representam todos os discípulos e discípulas de todos os tempos e lugares. Todos e todas somos chamados. Esse chamado comporta uma missão: viver os valores do Reino e testemunhar no mundo a vida e a salvação trazidas por Jesus. Como aqueles discípulos, sejamos generosos na resposta.
Com a Oração do Ano Vocacional, roguemos pelas diversas vocações:
Senhor Jesus,
enviado do Pai e Ungido do Espírito Santo,
que fazeis os corações arderem e os
pés se colocarem a caminho,
ajudai-nos a discernir a graça do vosso
chamado e a urgência da missão.
Continuai a encantar famílias, crianças,
adolescentes, jovens e adultos,
para que sejam capazes de sonhar e se entregar,
com generosidade e vigor,
a serviço do Reino,
em vossa Igreja e no mundo.
Despertai as novas gerações para a
vocação aos Ministérios Leigos,
ao Matrimônio, à Vida Consagrada
e aos Ministérios Ordenados.
Maria, Mãe, Mestra e Discípula Missionária,
ensinai-nos a ouvir o Evangelho da Vocação
e a responder com alegria.
Amém!
[1] https://www.dehonianos.org/portal/03o-domingo-do-tempo-comum-ano-a0/ (Consultada dia 24/12/2022)