Estamos chegando ao final do ano litúrgico, no penúltimo domingo. O Evangelho deste 33º domingo tem uma perspectiva escatológica, isto é, nos convida, partindo da leitura de um fato concreto, a beleza do Templo de Jerusalém, onde não ficará pedra sobre pedra ((v. 6), a alargar o olhar para além do temporal. O texto parece catastrófico, mas tem uma conclusão marcada pelo estímulo à coragem e pela promessa de vida. Termina com esperança!
Jesus se encontra no templo de Jerusalém, já concluiu sua longa caminhada, conforme a pedagogia do evangelista Lucas, mas ainda continua sua missão com o ápice na ressurreição, após a condenação injusta e a morte em Jerusalém. Jesus vive seus últimos dias antes da paixão. Conforme Lucas, diante do comentário admirado das pessoas quanto à beleza do Templo ornado com pedras preciosas e com as ofertas oferecidas, Jesus questiona essa admiração e afirma que ali não ficará pedra sobre pedra, tudo será destruído (v. 6). Jesus vê o Templo de modo distinto, como profeta: aquele lugar não acolhe os valores do Reino de Deus, por isso não perdurará. Segundo Pagola, “aquele edifício esplêndido está alimentando uma ilusão de eternidade. Aquela maneira de viver a religião, sem acolher a justiça de Deus nem ouvir os que sofrem, é enganosa e perecível” (O caminho aberto por Jesus – Lucas, p. 327).
O Templo de Jerusalém, desejado inicialmente pelo rei Davi e empreendido por seu filho Salomão, foi construído a partir do ano 950 a.C. e destruído pelas tropas do rei Nabucodonosor, em 586 a.C, depois reconstruído a partir do retorno dos exilados para a Babilônia, no ano 538 a. C. era de uma exuberante beleza. A conclusão da construção ocorreu somente, conforme o teólogo alemão Joaquim Jeremias, entre 62-64 (Jerusalém no tempo de Jesus, p. 35). Ainda conforme Jeremias, “o Templo foi construído com a maior ostentação possível e abriu um vasto campo de atividade ao artesanato de arte, tanto no trabalho do ouro como da prata e do bronze” (Ibidem, p. 37). Conforme relato de Flávio Josefo, o Templo inteiro resplandecia de ouro (Ibidem, p. 36). Com o término das obras no ano de 64, calcula-se que dezoito mil trabalhadores ficaram desocupados (Ibidem, p. 35). No ano 70 da nossa era, o Templo foi destruído pelos romanos e nunca mais reconstruído. Quando Lucas escreveu o seu texto, por volta do ano 80, o Templo já tinha sido destruído. Ele utiliza um estilo literário chamado apocalíptico, que mostra fatos do passado como ainda a ocorrer, com o objetivo de animar a resistência dos que são perseguidos nos novos conflitos (Bortolini, José, Roteiros Homiléticos, Anos A, B, C, p. 717). A comunidade cristã sobrevive à catástrofe que se abate sobre Jerusalém e abre-se uma perspectiva de esperança para o futuro: os sistemas injustos não prevalecerão.
O texto de Lucas destaca três momentos históricos da salvação: a destruição do Templo de Jerusalém (já ocorrida), o tempo da missão da Igreja e a vinda do Filho do homem plenificando o Reino de Deus.
Jerusalém, local onde deveria irromper a salvação, recusa essa oferta na pessoa de Jesus. Sua destruição e do seu Templo significa que não é mais o local exclusivo e definitivo da salvação, que não mais se restringe a um lugar, que se destina a todos os povos e nações. Surge, então, o tempo da Igreja, em que os discípulos de Jesus devem dar testemunho do seu ensinamento e manifestar o universalismo da salvação. Mas esse tempo é marcado por incompreensões e perseguições. Contudo, Lucas lembra que eles não estarão sozinhos: contarão com as palavras acertadas de Jesus e não perderão sequer um fio de cabelo da cabeça (vv. 15-16).
Por fim, Lucas sinaliza para a segunda vinda de Jesus, mas não identifica ou quando se dará. Ele adverte que surgirão falsos profetas anunciando o fim, mas não deverão ser seguidos. Chama a atenção para não sermos enganados. Ao longo desses dois mil anos, inúmeros falsos messias surgiram, até mesmo no Brasil. Mas todos sucumbiram e sucumbirão ao tempo. Os seguidores de Jesus não devem dar crédito a mensagens alheias ao Evangelho nem fora nem dentro da Igreja (Pagola, p. 326). As advertências assustadoras pichadas nos muros: “Jesus está voltando”, não passam de especulações sem qualquer fundamentação bíblica. Jesus não contou esse segredo, simplesmente alertou para estarmos atentos para o encontro definitivo e imprevisível com Ele (Cf. Lc 12,35-48).
Diante dos sinais de catástrofes cósmicas descritas e da advertência quanto às perseguições que enfrentarão, os cristãos deverão permanecer firmes e fiéis ao projeto de Jesus. Eles não serão destruídos. Jesus assegura que é permanecendo firmes que ganharemos a vida (v. 19). O texto termina com uma palavra de vida, com esperança.
Neste domingo celebramos o 6º Dia Mundial dos Pobres, instituído pelo papa Francisco, com o tema motivacional “Jesus Cristo fez-Se pobre por vós” (cf. 2 Cor 8,9). Em vista desta opção de Jesus, a Igreja deve defender os que estão em situação de vulnerabilidade alimentar, habitacional, de trabalho, de saúde e de educação, não pode ficar indiferente às injustiças sociais. No nosso país são milhões que empobreceram nos últimos anos e que passam fome. A opção evangélica da Igreja pelos pobres é expressão do primado da caridade cristã. Somos chamados a descobrir Cristo neles (Cf. Evangelii Gaudium n. 198).
O papa Francisco, na mensagem para este 6º Dia Mundial dos Pobres convida a revermos o nosso estilo de vida e a refletirmos sobre as inúmeras pobrezas atuais, especialmente aquelas geradas pela guerra. Diante dessa situação, os povos que acolheram refugiados foram solidários, partilhando o pouco que têm com aqueles que ficaram sem nada. Porém, também eles já estão tendo dificuldades em continuar ajudando. Essa atitude solidária nasce onde a comunhão e o espírito fraterno são estilos de vida. “Como cristãos, tenhamos sempre a caridade, a fé e a esperança como fundamentos da nossa atividade e do nosso ser”.
O papa Francisco nos provoca a compreender o paradoxo da pobreza que nos torna ricos, que vem do amor recíproco que nos faz carregar os fardos uns dos outros, para que ninguém seja abandonado ou excluído. Francisco dedica o último parágrafo da sua mensagem ao Irmão Carlos de Foucauld, canonizado no passado dia 15 de maio, “um homem que, tendo nascido rico, renunciou a tudo para seguir Jesus e com Ele tornar-se pobre e irmão de todos. Destaca o seu convite a não desprezarmos os pobres, os humildes, os operários; são não apenas nossos irmãos em Deus, mas também os que mais perfeitamente imitam a Jesus na sua vida exterior. Eles apresentam-nos perfeitamente Jesus, o Operário de Nazaré. Ele finaliza sua mensagem desejando que façamos “um exame de consciência pessoal e comunitário, interrogando-nos se a pobreza de Jesus Cristo é a nossa fiel companheira de vida”.
Na fidelidade à nossa opção fundamental, celebremos este dia conforme a criatividade e as necessidades de cada paróquia, pastoral e movimento da nossa diocese, rezando, refletindo sobre as causas da pobreza e promovendo ações com os mais pobres que defendam a sua dignidade de filhos de Deus.
+Dom Jeová Elias
Bispo Diocesano