Meus queridos amigos e minhas queridas amigas,
Celebramos neste domingo, no Brasil, a Solenidade de todos os Santos. Quem são eles? São aquelas pessoas que descobriram o amor de Deus que habita nelas e que se deixaram envolver por esse amor e o manifestam nas suas relações com o próprio Deus, com os irmãos e com os outros seres: a natureza e os animais; uma relação respeitosa, amorosa, cuidadosa e não destruidora. Alguns santos e santas já são conhecidos e celebrados na nossa liturgia, mas hoje incluímos todos e todas, porque são em número superior ao que a Igreja elevou à glória dos altares, que foram canonizados.
O papa Francisco escreveu uma Exortação Apostólica sobre o chamado à santidade no mundo atual tendo como objetivo fazer ressoar o chamado à santidade encarnada no nosso contexto (n. 5). Ele afirma que “a santidade é o rosto mais belo da Igreja” (n. 9). Diz ainda que a santidade não pertence somente aos já beatificados ou canonizados, mas aos que são banhados pela graça do Espírito Santo, num povo, pois ninguém se salva sozinho. Ele se refere aos santos do povo de Deus, que vivem uma vida simples, como “os santos ao pé da porta” (GE n. 6). Destaca que gosta de “ver a santidade no povo paciente de Deus: nos pais que criam os seus filhos com tanto amor, nos homens e nas mulheres que trabalham a fim de trazer o pão para casa, nos doentes, nas consagradas idosas que continuam a sorrir” (n. 7).
A santidade é um dom concedido por um Deus amoroso que habita no nosso coração, que nos impulsiona para a frente, que nos anima, que nos ajuda a viver, que nos concede a vida e os meios necessários para vivermos bem e sermos felizes. Não é fruto de heroísmo, de sacrifício, mas é dom concedido e retribuído. Todos nós, pelo batismo, somos chamados à santidade.
O papa Francisco dedica todo o segundo capítulo da sua Exortação Apostólica a dois sutis inimigos da santidade: o gnosticismo e o pelagianismo: heresias surgidas nos primeiros séculos do Cristianismo que falseiam a noção de santidade, e ainda hoje seduzem o coração de muitos cristãos (n. 35), pois reduzem a salvação ao esforço individual.
O gnosticismo pensa que a santidade é fruto do conhecimento e julga os outros a partir desse pressuposto. Os que seguem essa corrente absolutizam as suas teorias e obrigam os outros a submeter-se aos seus raciocínios. São incapazes de tocar a carne sofrida do Cristo nos outros, concebem uma fé desencarnada e preferem um “Deus sem Cristo, um Cristo sem Igreja, uma Igreja sem povo” (n. 37). O papa considera o gnosticismo como uma das piores ideologias, pois julga que a sua visão de mundo seja perfeita (n. 40). “Quando alguém tem resposta para todas as perguntas, demonstra que não está no bom caminho e é possível que seja um falso profeta, que usa a religião para seu benefício, a serviço das próprias lucubrações psicológicas e mentais” (n. 41).
Enquanto o gnosticismo prioriza a via do conhecimento como caminho de santidade, o pelagianismo valoriza a vontade humana, o esforço pessoal, esquecendo-se de que a santidade não é fruto de heroísmo, mas da misericórdia de Deus, que nos amou primeiro (n. 48). Somente a partir do dom de Deus, acolhido com liberdade e recebido com humildade, é que podemos colaborar com os nossos esforços para nos deixarmos transformar cada vez mais (n. 56).
O papa constata que ainda há cristãos insistindo no caminho das próprias forças, manifestado na obsessão pela lei, no fascínio pela exibição de conquistas sociais e políticas, na ostentação com o cuidado pela liturgia, pela doutrina e pelo prestígio da Igreja. Nisto gastam o seu tempo e suas energias e descuidam de deixar-se guiar pelo Espírito no caminho do amor, “de apaixonarem-se por comunicar a beleza e a alegria do Evangelho e procurarem os afastados nessas imensas multidões sedentas de Cristo” (n. 57).
O Evangelho deste domingo apresenta as nove bem-aventuranças, na versão de São Mateus. São Lucas também as apresenta, mas somente quatro e acrescenta as advertências aos que não as vivem (Cf. Lc 6,17-26). Enquanto Mateus situa o sermão das bem-aventuranças na montanha, Lucas descreve que Jesus o proferiu na planície. O caminho proposto por Jesus para viver a santidade é o das bem-aventuranças. O papa Francisco também as apresenta como o roteiro para ser santo. Destaca serem elas “como que o bilhete de identidade do cristão” (n. 63), embora alguns pensem que seja o caminho da rigorosa obediência aos preceitos dos 10 mandamentos.
O estilo das bem-aventuranças é frequente na bíblia, quer nos anúncios proféticos de alegria vindoura (Cf. Is 30,18;32-20; Dn 12,12), ou nos agradecimentos pelas alegrias vividas (Sl 32,1-2;33,12;84,5-6;13). São sempre alegrias oferecidas pela bondade divina. As pessoas bem-aventuradas são aquelas que se encontram em situação de vulnerabilidade, mas que têm o coração aberto à graça divina.
A palavra bem-aventurado, ou feliz, torna-se sinônimo de santo, porque expressa a verdadeira felicidade da pessoa fiel a Deus, que, movida por sua palavra, doa-se por amor. As bem-aventuranças são um caminho para alcançar a felicidade hoje e na eternidade. A felicidade é um anseio de cada ser humano. Os santos alcançam esse anseio. Uma das características dos santos é a felicidade plena, porque descobriram, viveram, alimentaram-se e se plenificaram do amor de Deus. “O mau humor não é um sinal de santidade” (GE n. 126).
Das bem-aventuranças apresentadas por São Mateus, duas são o eixo, são as mais importantes, porque constatam a realidade presente: a primeira e a oitava. A primeira, que destaca “os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos céus” (Mt 5,3); e a oitava, dedicada aos “que são perseguidos por causa da justiça, porque deles também é o Reino dos céus” (Mt 5,10). As outras são promessas de amanhã, são esperança para o futuro. Estas duas são constatações: o Reino de Deus pertence aos pobres, o Reino de Deus pertence àqueles que buscam construir a justiça e, por isso, são incompreendidos, são perseguidos.
Os pobres são a manifestação do Reino de Deus para nós, são o Evangelho vivo. O papa Francisco afirma que a felicidade pertence aos pobres, é uma marca desses que, mesmo desprovidos de riquezas materiais, têm a confiança em Deus e têm uma vida alegre. Ele diz que as alegrias mais belas e mais espontâneas que viu ao longo da sua vida são as alegrias das pessoas muito pobres, que têm pouco a que se agarrar (EG n. 7). É inconcebível para muitas pessoas que alguém possa ser feliz sem ter os bens materiais. Certamente a miséria não é da vontade divina, pois contradiz a dignidade da vida concedida pelo Criador. Mas a felicidade não se encontra no acúmulo dos bens. Os pobres felizes são comparados com o peixinho no mar, que dispõe de toda água, mas não a retém para si. Em contrapartida, o papa também constata a realidade que muitas pessoas no mundo experimentam: de uma tristeza individualista, de uma vida fechada nos próprios interesses, sem espaço para os outros, onde os pobres são descartados, onde não se escuta a voz de Deus. Um risco presente também na vida de muitos crentes.
Felizes os pobres! Felizes os perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino de Deus! Felizes os aflitos, os mansos, os que têm fome e sede de justiça, os misericordiosos, os puros de coração, os que promovem a paz. Que esse roteiro proposto por Jesus seja assumido por nós na busca da felicidade plena!
+Dom Jeová Elias
Bispo Diocesano